quinta-feira, 31 de julho de 2008

Young Gods Play Kurt Weill

De uma feliz sucessão de encontros inusitados, em 1990 nasceu um álbum insólito: Primeiramente entre a música de Kurt Weill e o teatro de Bertolt Brecht, nos anos 20. Este produto genial nas graças da banda industrial suíça humildemente auto-intitulada Young Gods, 70 anos depois gerou uma obra prima de segunda ordem. Com ousadia fáustica processaram em sua maquinaria industrial canções de duas das mais representativas e vocalmente difíceis peças musicais do teatro de todos os tempos: Die Dreigoschenoper e Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny (traduzidas como Ópera dos Três Vinténs e Ascenção e Queda de Mahagonny). A mordacidade com que a sordidez nos é apresentada na república de Weimar casa perfeitamente com a linguagem maquínica dos nossos dias. Até o lirismo decadente de cabaré é mantido em músicas como Seerauber Jenny (Pirata Jenny), adquirindo feições mais bestiais, sem dúvida, no entanto fiéis as nuances e clímax originais (a versão gravada mais célebre pode ser encontrada para download na voz de Lotte Lenya, que fez o papel de Jenny na estréia em 1931). Para ilustrar o devaneio assassino da garçonete humilhada e a vingança marítima que massacra a cidade, os sintetizadores recriaram a atmosfera do estabelecimento degenerado, o olhar amargo pela janela, a aproximação da enorme embarcação pelo oceano, os canhões lançando fogo a cidade, o veredito final de morte. Em Salomon Song o gênio poético de Brecht nos diz que ninguém está a salvo, nem na sabedoria de Salomão, nem na coragem de Cesar, nem na luxúria de Mackie Messer.
A tão interpretada Mackie Messer (Mack the Knife, mais conhecida na voz de Louis Armstrong entre milhares de outros) aqui é desfigurada com sintetizadores distorcidos, que inacreditavelmente prescindem de guitarra, e entoado por um dramático barítono salivante. A interpretação vocal de Franz evidencia o que o distingue de qualquer outra invocação industrial, um misto de lirismo e guturalidade. September song, outra canção popularizada em versões tão aberrantes quanto as de James Brown e Chet Baker, ou Lou reed, ganha aqui um arranjo mínimo, outonal. Alabama Song, também conhecida pela charmosa versão do Doors, aqui ressurge como uma devassa trupe de saltimbancos carregada de cacarecos perseguindo excessos da carne.
A fértil colaboração de Weill com o poeta norte americano Ogden Nash é contemplada em Speak Low. Na releitura do Young Gods temos a beleza da letra recitada pela voz de Franz agora mais pura, e ao fundo, a sinfonia de uma máquina de misturar concreto. Speak low, darling, When you speak love. Love is a spark lost in the dark, too soon.
A produção tem o brilho de um disco ao vivo, o que ressalta a crueza e a simplicidade da composição original. Logo, pode-se dizer sem medo de errar, que os pretensos "jovens deuses" conseguiram voar sem queimar as asas.

Kameradschaft!


Às vezes música só serve pra divertir, dançar (se você gosta de dançar) ou como pano de fundo para qualquer sorte de atividade. Às vezes serve apenas como um antídoto contra o silêncio insuportável da solidão e, ás vezes, apenas como algo para tirar sua atenção de um engarrafamento. Às vezes, música é só música. Mas, algumas vezes, certas músicas adquirem um aspecto diferente, deixam de ser matéria secundária ou apenas melodias que delineiam acontecimentos, embalam momentos, ela, a música, tais vezes, pára de ser apenas ritmo para se dançar.
Existem músicas que se transformam em amigos, companheiros, confidentes. Nela se tem companhia pra dividir felicidades, aliviar tristezas, se tem ombro, se tem uma mão. Não poderiam deixar de existir músicas que são companhias sórdidas para inevitáveis momentos menos sublimes, de altivez, raiva, intolerância e outras emoções vulgares, a má companhia que impele rumo ao lado menos nobre do espectro das volúpias humanas e estimula a dar vazão a tudo que tenta se esconder. E, é natural, uma banda que gravasse tais músicas seria contestada e solo fértil pra especulações e acusações.
DEATH IN JUNE é, sem dúvida, uma dessas, um desses 'amigos'. Mesmo substituindo a corriqueira artimanha usual de guitarras ensurdecedoras e o zurzir da bateria, comum à bandas que querem soar agressivas, pelo simples violão e voz, Douglas Pearce e seu Death in June conseguem criar atmosferas densas, climas insalubres, ele consegue transformar suas músicas na companhia obscura que faz da alma tranqüila algo vil. Não são raras suas músicas que exaltam sentimentos como amizade, cumplicidade e camaradagem, entretanto, invariavelmente, elas se referem à uma irmandade encontrada através de maneirismos pouco ou nada ortodoxos, algumas também exaltam orgulho racial e cultural, algo que, conjugado à indumentária militar e à simbologia análoga à também adotada pelos nazistas, sugerem atração por algo tão 'atraente' quanto aviltante.
Porém, isso posto de lado e concentrando em sua obra, é difícil encontrar música que se conecte de forma tão primordial à alma. Com sua simples beleza e força, Death in June parece por vezes ser o som do lado lúgubre do espírito Humano expondo a sujeira em cada um sem preocupações hipócritas com jugalmentos ou noções morais pré-concebidas do que é bom ou mau e isso é, não resta dúvidas, um som que liberta.
Com o passar do tempo, desde seu início até o presente, a banda passou por fases de diferentes sonoridades, porém jamais diluiram seu 'peso' peculiar, caracterizado pela voz profunda e cativante de Douglas e seu simples violão onipresente que, paulatinamente, induz ao êxtase, por suas mensagens livres do ácido moral. Através de seu amadurecimento permaneceu também incólume a qualidade única de ser o tal amigo, aquele que lhe guia enquanto desbravam intrépidos o lado mais sujo e feio da sua própria Humanidade.


Death in June - Rose Clouds of Holocaust
(do disco Rose Clouds of Holocaust - video não oficial)



Death in June - All Pigs Must Die
(do disco All Pigs Must Die - video não oficial)



Death in June - Little Black Angel
(do disco But What Ends When the Symbols Shatter? - vídeo não oficial)



Death in June - Hullo Angel
(do disco Discriminate - ao vivo)




Discografia:

Nada! (1985) * * * *
The World that Summer (1986) * * * * * √
Oh How We Laughed (1987) * * * *
The Brown Book (1988) * * *
But What Ends When the Symbols Shatter (1992) * * * * * √
Rose Clouds of Holocaust (1995) * * * * * √
Occidental Martyr (1996) * * *
Take Care and Control (1998) * * * *
Heilige! (2000) * * * * * √
Operation Hummingbird (2000) * * * * * √
Discriminate (2000) * * * *
Wall of Sacrifice (2004) * * *
All Pigs Must Die (2005) * * * * * √
The Guilty Have No Pride (2006) * * * *
The Rule of the Thirds (2008) * * * *

√ - (Volume 11 pick)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

God Fodder para ressuscitar os mortos

Não sei se pela proximidade, os anos 90 ainda parecem musicalmente inassimiláveis. Ok, houve o boom do tecno. Fora isso, abolimos excessos dos aloprados anos 80, abraçamos de vez, para bem ou mal, o videoclipe, e o rock alternativo, na esteira do pós punk, lançou duas ou três modas (grunge, shoegaze, pop punk...). Foi por aí que desconfiaram que o rock havia batido as botas, ou lançaram esse marketing messiânico para levá-lo de vez ao suicídio. Enquanto aguardam como paramédicos tarados para ressucitar o rock, nós continuamos desenterrando discos que soam vivos como recém nascidos.
Há mais ou menos dois anos, fui visitar um grande amigo do qual nunca mais tinha ouvido falar. Aliás, as últimas notícias que tive dele datavam de uma temporada de alta umidade relativa do ar no cerrado, de pastos fartamente cobertos de cogumelos, que proporcionariam longas, e as vezes sem volta, incursões psicotrópicas a juventude entendiada de Brasília. Encontrei-o em sua bucólica cabana, um pouco mais magro, soturno, cheio de preocupações filosóficas, bancando o guarda florestal dos terrenos baldios do bairro. O que mais me preocupou foi descobrir que ele, antes dotado de um gosto musical admirável, havia se rendido ao Trance mais fajuto que lhe tinha caído nas mãos. Sentí como um chamado, uma divertida missão, restaurar-lhe os sentidos e a lucidez, abastecendo seu computador com cargas de mp3, sem desconfiar que sua indiferença seria total e absoluta. Perseverei na tarefa meses sem sucesso, regredindo até o começo dos anos 90, até chegar em 1991, o ano em que o Ned's Atomic Dustbin lançou o fenomenal God Fodder. E foi nos primeiros acordes de Grey Cell Green que fagulhas brilharam nos olhos do meu amigo desencaminhado...

When your desire
has been found,
you´ll be running
far away.

Daquele momento em diante operou-se uma completa metamorfose em seu espírito, e dentro em pouco estaríamos dirigindo pela cidade com o volume máximo ao som dessa revigorante ração divina. Hoje ele passa bem, e mal se lembra do torpor que o acometeu.


terça-feira, 29 de julho de 2008

Tempos Estranhos ou Tudo Que Você Queria

A última década ou mais do coitado Rock, com que somos implacavelmente bombardeados por toda forma de difusão possível e imaginável, é marcada por uma peculiaridade significativa; os revivals, os requentados. O que era, anteriormente, um tipo de homenagem esporádica, característica relegada a este ou aquele movimento bem específico, contaminou toda uma geração. Nas décadas que precederam esta anomalia cultural generalizada, bandas e artistas, que ainda mereciam tal nomenclatura, buscavam incansavelmente formas de sempre inovar, mover adiante, inventar, ser pelo menos um pouco vanguarda. Desde Elvis até o meado dos anos 90 era essa a tônica, o modus operandi de quem queria conquistar seu lugar ao Sol.
Não é de se surpreender que tais décadas viram o surgir de incontáveis lendas, vários heróis e alguns mártires. Gerações e gerações de músicos com algo a dizer, ora concatenando-se, ora permanecendo gênios solitários e 'incompreendidos', fincaram os alicerces que seriam mais tarde usurpados até às últimas conseqüências por garotos sôfregos pela fama e estrelato.
Com alarmante frequência, nesses últimos anos, viu-se bandas medíocres sendo rotuladas como "a salvação do Rock" - um epíteto tão ridículo quanto non-sense - apenas para dentro de meses sumirem, cairem no esquecimento, se não no ostracismo, e passarem até a ser sinônimo de gosto duvidoso. Pior, rapidamente tais bandas angariaram seguidores que, buscando o spotlight, se influenciavam pelos imitadores sem talento, e junto aos próprios imitadores, que agora se imbuiam daquela aura estúpida e embaraçosa de 'oldschool', dominavam, mesmo que de forma fugaz, o mainstream e, surpreendentemente, até mesmo grande porcentagem do que ainda se ousa chamar de underground. De súbito, toda a cena musical emanava um miasma enojante e a falta de imaginação dos "artistas" era louvada com tanto fervor quanto amavam décadas antes a genialidade de alguns.
Porém, em plena era da escassez de inspiração, alguns indivíduos conseguiram, mesmo volta e meia exagerando seus mergulhos em fontes ancestrais, se destacar da banalidade. Artistas como Jon Spencer deram uma roupagem interessante e relevante às suas influências, criando músicas que valem a pena ouvir. No entanto, tais manifestações são hoje tão raras que são dignas de grande procela.
Eis que 2002 chega e traz consigo uma dessas novas revelações dignas, que deveriam ser muito mais ouvidas do que o são. THE BLACK KEYS, consistindo em apenas dois músicos, conseguiu agitar o marasmo e interessar até mesmo o ouvinte mais apático em relação à bandas novas. Seus dois primeiros discos ainda apresentavam alguns atavismos, porém gestavam um embrião de algo novo, interessante, algo que despertava interesse, extingüia a indolência, e com cada álbum que lançavam tal embrião parecia mais pronto à romper o que ainda o mantinha acomodado e ganhar o mundo. 2008 foi o ano que finalmente lançariam seu disco mais marcante e, aguardem... original. ATTACK & RELEASE soou à princípio aos ouvidos descrentes como o conjunto de músicas mais genial da última década, apesar de ser apenas um disco bom, muito bom. Tais já mencionados atavismos ainda estão presentes, mas são o que deveriam sempre ser, apenas referências interessantes, indícios de bom gosto e se, volta e meia, uma música lhe traz Beatles, ZZ Top ou Neil Young à mente, não é culpa de ninguém, e sim mérito, pois não são simples imitações, não soam como em outras bandas, como algo recauchutado e enganoso.
Apesar de, esporadicamente, este ou aquele artista se fazer ouvir em suas músicas, Black Keys consegue ter um som próprio, limitá-los à suas influências, por melhor que sejam, não é justo. Remember When (Side B) é um claro exemplo de quão atual e empolgante a banda pode soar sem fazer grandes reverências aos tempos passados e Strange Times é tão moderna que causa estranhamento à ouvidos algo conservadores ser tão boa e viciante. Attack & Release, da primeira à última música, é um disco irrepreensível, não há ali música que não seja, no mínimo, boa, enquanto outras são de fato excelentes como as já citadas Remember When (Side B) e Strange Times além de All You Ever Wanted, I Got Mine, Psychotic Girl e o magnífico trio de que encerra os breves 40 minutos do disco, So He Won't Break, Oceans and Streams e Things Ain't Like They Used to Be (a mais clara mesura à uma influência presente no disco).
Com Attack and Release o Black Keys conseguiu o que muitos tentaram e ficaram pelo caminho; fazer um som moderno (não modernoso) em que as influências trabalham a favor e não contra a qualidade da obra. Enquanto não se deve chamá-los de 'salvação do Rock' (quem disse que ele precisa ser salvo, pra começo de conversa?!), se tem a obrigação de reconhecer o mérito de Dan Auerbach e Patrick Carney (os membros da banda, pros mais lerdos) em conseguirem se destacar positivamente de seus contemporâneos.
Será que virão seguidores por aí?


The Black Keys - Strange Times
(do disco Attack & Release - vídeo não oficial)



The Black Keys - I Got Mine
(do disco Attack & Release)



The Black Keys - Girl is on My Mind
(do disco Rubber Factory - ao vivo)




The Black Keys - Attack & Release











01 - All You Ever Wanted
02 - I Got Mine
03 - Strange Times
04 - Psychotic Girl
05 - Lies
06 - Remember When (Side A)
07 - Remember When (Side B)
08 - Same Old Thing
09 - So He Won't Break
10 - Oceans and Streams
11 - Things Ain't Like They Used to Be


Discografia:

The Big Come Up (2002) * * * *
Thickfreakness (2003) * * * *
Rubber Factory (2004) * * * * * √
Magic Potion (2006) * * * *
Attack & Release (2008) * * * * * √

√ - (Volume-11 pick)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Mark Kozelek e o período das chuvas

Moro numa das poucas cidades totalmente planejadas do mundo. Se a ocupação humana seguiu seu rumo de uma forma natural na maioria das cidades, o caso aqui é bem outro, algo como habitar uma acolhedora maquete em tamanho natural. Para amenizar os efeitos do clima inóspito da região foi providenciado um belo lago, sem o qual morreríamos secos e já enterrados na poeira vermelha do cerrado. Depois de algum tempo morando aqui nota-se que algumas coisas foram deixadas de fora no projeto, pequenas bobagens, como espaços públicos por exemplo, o que por um lado evita os inconvenientes da convivência humana, mas também pode tornar as pessoas tão reclusas quanto secas.
Aqui também ocorre um fenômeno sonoro um tanto incomum. Após o período anual da seca, logo após a primavera, quando chega o esperado tempo das chuvas, a cidade é tomada por uma sinfonia de cigarras que parecem suspender a realidade do começo da manhã e do fim da tarde.
Depois do acasalamento de diversas espécies na primavera, as fêmeas depositam ovos debaixo da terra, e lá nascerá e viverá por 17 anos a próxima geração. Quando então saem da terra sofrem uma metamorfose: abandonam o corpo seco nas árvores e ganham asas. O canto tem a função de atrair as fêmeas (como não podia deixar de ser), e também, ferir o sensível ouvido dos predadores.
É a minha época do ano favorita. Já matei a primeira aula da manhã para sentar no parque ouvindo as cigarras, e até hoje, quando começam a cantar, minha vontade é de parar o que quer que esteja fazendo para simplesmente entrar no transe contemplativo. E durante o ano, quando nostálgico dessa época, recorro a música de Mark Kozelek.
Podemos facilmente tratar sua obra como uníssono de vários cantos esparsos, e em cada canção, uma frequência, um ritmo, uma espécie diferente de cigarra. Há sempre uma urgência muito pessoal, que passa pelo amplo espectro das emoções humanas, da mais lancinante angústia a sublime descoberta da beleza, do canto da necessidade de contato ao zunido da clausura deliberada.
É o tipo de música que faz você querer abandonar a casca seca na árvore.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

'Velho' é o novo 'Jovem'

Quando criança, eu sonhava em ser um sexagenário. Me parecia conveniente ao extremo não ter que me preocupar com crescer, estudar, trabalhar, ganhar dinheiro, achar a mulher da minha vida e, com ela, constituir família. Se eu dormisse com 12, e acordasse com 64, tudo isso já teria acontecido e eu, que já tinha curtido o suficiente a minha juventude, e isso era o que eu em minha ingenuidade imaginava, poderia agora desfrutar de uma velhice tranquila ao lado de meu netos e minha velha. Eu imaginava a minha velhice calma, serena e, sobretudo, como um tempo pra poder relaxar.
Felizmente nem todos imaginam sua velhice assim.
Dois irmãos, no Canadá, sonhavam diferente. Imagino os dois, ainda pivetes, confabulando aventuras para suas vidas adultas, aquelas aventuras que todos nós imaginamos, mas pouquissimo tem a sorte de realizar. Imagino o pequeno John dizendo: "Rob, quando a gente for velho, bem velho, vamo montar uma banda?" E então eles perderiam a noção do tempo confabulando como eles seriam, ques músicas tocariam, quantos fãs teriam, quantas mulheres os amariam.
O tempo passou, John e Rob Wright envelheceram. Um careca e o outro grisalho, muito além da idade que se considera normal montar uma banda punk, realizaram o sonho de sua infância agora tão distante. Nomearam-se NOMEANSNO e começaram, por volta de 1979, 1980, a destilar seu humor distorcido, perversões sexuais e imensa destreza técnica em forma de música.
Embora normalmente categorizado como um grupo Punk, Nomeansno distoa da maioria das bandas desse estilo em parte pela refinadíssima proficiência técnica de todos os músicos e em parte pelas próprias escolhas estéticas, muitas músicas indo alem de 5, 6, 7 minutos de duração. Outro aspecto que destoa do que é normalmente chamado Punk é a falta de compromissos com temíveis exigências estilísticas e a liberdade com que esses senhores de idade transitam entre estilos, como, por exemplo, fazem em seu disco ONE, gravando na seqüência covers de Bitche's Brew, de Miles Davis, e Beat on the Brat, dos Ramones.
No entanto, mesmo quando tocam o mais refinado, brutal, desenfreado e trocista punk, a agilidade com que os tempos se variam e quebram, o serpentear melódico das linhas de baixo e os riffs elaborados deixam claro que os velhinhos tem o espírito endiabrado, possesso por legiões insadecidas e que, aparentemente, a única forma de se esconjurarem é submetendo-se à impiedosa e rara arte de inovar e criar música como quem lapida diamantes, com precisão e esmero.
Desde que conheci Nomeansno, passei a olhar com outros olhos os velhos nas ruas, passei a imaginar quanto potêncial adormecido talvez exista em cada uma daquelas caras enrugadas, que talvez, se quisessem e pudessem, aquelas cabeças, brancas ou peladas, deveriam levantar-se e vir dar um bom puxão de orelhas em todo mundo e, como os rodados membros do Nomeansno, mostrar pra toda uma geração de jovens orgulhosos e perdidos como se portar. Deus sabe o quanto precisamos.


Nomeansno - Big Dick
(do disco Wrong)



Nomeansno - Oh No! Bruno!
(do disco Wrong)



Nomeansno - Heaven is the Dust Beneath My Shoes
(do disco All Roads Lead to Ausfahrt)



Discografia:

Mama (1984) * * *
Sex Mad (1987) * * * *
Small Parts Isolated and Destroyed (1988) * * * *
Wrong (1989) * * * * * √
0 + 2 = 1 (1991) - * * * * *
Live & Cuddly (1991) * * * *
You Kill Me (1991) * * * *
Why do They Call Me Mr. Happy? (1993) * * * * * √
Mr. Right & Mr. Wrong (1994) * * *
The Worldhood of the World (As Such) (1995) * * * * * √
Dance of the Headless Bourgeoisie (1998) * * * * * √
One (2000) * * * * * √
Generic Shame (2001) * * * *
All Roads Lead to Ausfahrt (2006) * * * * *

√ - (Volume 11 pick)

Céu aberto sobre um rio cristalino

A River Ain´t Too Much to Love (2005) é o retorno de Smog ao elementar. Sem poluição nem experimentalismo, ressurge aqui cristalino, despido de quaisquer artifícios. Dedilhados de três cordas e a poesia mais bucólica de sua opus. A mesma voz desértica, que poderia ganhar o mundo se isso fizesse algum sentido, e o mesmo entusiasmo, de quem é impelido por alguma estranha ameaça. São temas rurais límpidos como uma nascente, vagando por vales angustiados, distantes anos-luz da agitação mundana...
Abre o disco com a arrepiante Palimpsest: Winter weather is not my soul, but the biding of spring. Narra como um avô benevolente pequenas revelações de insignificância em The Well, onde salva uma gota remanescente num balde emborcado de cair num velho poço, para depois lamentar senti-la cair acidentalmente em sua nuca, enquanto gritava xingamentos escuridão abaixo. E um estado de espírito de mãe cansada, cuja única motivação é separar a qualquer custo duas crianças briguentas (I feel like the mother of the world). In the Pines é um retrato melancólico porém conformado, do retorno ao lar, da espera na estação de trem, da dor que motivou a partida.
Drinking at the Dam remete a uma longínqua memória, de cabular a aula para beber e folhear pornografia na barragem, a qual tenta se apegar diante da força inelutável que atrai tudo ao nada. Running the Loping é uma valsinha para o esquecimento, ao redor da fogueira, com uma bizarra e hilária alusão ao estupro (imaginário, que fique claro) da esposa por um rapper. I´m New Here é mais uma caleidoscópica imagem de isolamento, ainda que aparentemente encoraje recomeços. Let Me See the Colts finaliza o disco preocupado com o futuro, acordando alguém no meio da noite, para checar os potros que lhe garantirão alguma renda em apostas. Definitivamente, não se trata de buscar sentido oculto ou metáforas profundas. As imagens não são simbólicas, são apenas belos recortes, mais ou menos aleatórios de um mundo desprovido de sentido. Por isso são tão reais. God is a word, and the argument ends there.
Sua obscena humanidade talvez o torne inacessível para alguns, já cegos pelo espetáculo da mídia, ávidos por fofocas, ou em busca de ídolos. O enigma em torno de Bill Calahan aqui assume um aspecto muito óbvio: música (e poesia) falam por sí só, e o que têm a dizer, todos nós, de uma forma ou de outra, já sabemos.


terça-feira, 22 de julho de 2008

O Velho Sempre Novo NEU!

Uma pergunta me assombra: Por que a música, hoje, é tão desinteressante? Por que não é nem um pouco empolgante e não contém os menores traços de algo que possa ser considerado original? Enquanto as duas primeiras afirmações interrogativas são opiniões pessoais, a terceira é categorica e irrefutável. Tudo que se ouve hoje são fórmulas reaproveitadas, já exploradas e aperfeiçoadas, pelo menos, 30, 35, 40 anos atrás, uma sorte de paroxismo inexorável do Ready Made. Desde o grupo atual mais "revolucionário" e "avant-garde" ao mais simples rockinho de garagem despretensioso, nada mais é novo, nada trilha caminhos inexplorados, nada traz aquele ar inebriante, caracterizado pelo seu frescor, oriundo das idéias pioneiras e distintivas, que denotam espíritos livres e inspirados.
Será culpa do imediatismo imperativo, que coibe qualquer possibilidade de se ser ambicioso e ir além da surrada, cansada e aleijada estrutura pré-concebida? Será que o ouvido não é mais paciente como fôra outrora ou, simplesmente, será que algumas pessoas foram tão brilhantes que fizeram tudo antes e não deixaram espaço pra novas descobertas? Será apenas preguiça? Talvez a resposta mais aceitável seja: tudo isso... e mais.
Em 1971 dois músicos, Michael Rother e Klaus Dinger, que já haviam tocado juntos em um grupo iniciante que se chamava Kraftwerk, resolveu trilhar seu próprio caminho, um desses caminhos inovadores que, posteriormente, se tornaria mais uma fórmula a ser massacrada pela falta de inspiração de músicos fastidiosos. Sob o epíteto NEU! o duo lançaria três discos, todos chamados Neu!, e, com eles, o embrião de algo totalmente novo (como sugere o próprio nome).
Encerrados em Düsseldorf, Rother e Dinger, entregues aos cuidados de Conny Plank, criariam o tipo de som que apenas homens que nasceram para serem imortalizados, heróis, poderiam criar. Plantaram, inscientes, a semente que mais tarde se transformaria em toda uma flora diversificada e ao mesmo tempo, involuntariamente inócua e frívola. NEU! é, indiscutivelmente, um dos exemplos mais claros do que posteriormente seria chamado Krautrock, uma palavra que denota muito mais um estilo livre de ser, pensar e criar música do que necessariamente um estilo musical sedimentado, ditado por comuns ideais estéticos.
As guitarras sobrepostas, maravilhosamente embrenhadas umas nas outras, formando uma grande e metódica confusão de timbres e sons, tocadas por Rother, e a bateria jovial, pulsante, repetitiva e sedutora de Dinger, combinadas com destreza pela produção visionária e irrepreensível de Plank seriam as marcas registradas de um grupo que, apesar de jamais ter causado grande impacto comercial em seu próprio tempo, como tantos outros, revolveu a cena musical global de forma inegável nos anos porvir. Sob os ecos de NEU! presentes em "artistas" atuais estão escondidos, na maior parte das vezes, ouvintes interessados, mas compositores preguiçosos e músicos covardes, repetidores no lugar de criadores (alguém aí gosta de Stereolab?).
Falo de certos artistas e temo soar como um arqueologista, escavando o tempo, me referindo eternamente à civilizações passadas, que viviam sob valores díspares daqueles de nosso Zeitgeist, entretanto, prefiro correr esse risco do que acostumar-me à caterva nefasta que, em sua eterna tentativa de soar atual, copia e imita os "desconhecidos" do passado, travestindo de modernidade o que já comemora quase meio século de existência, porém, nada posso fazer se os 'krauts' visionários deixaram espalhados tesouros de valor inestimável para futuras gerações se deleitarem... e copiarem (a forma menos honesta de elogio). NEU! que o diga.


NEU! - Hallogallo
(do disco NEU!)



Neu! - Isi
(do disco NEU! 75)



Neu! - Hero
(do disco NEU! 75)



Discografia:

NEU! (1972) * * * * * √
NEU! 2 (1973) * * * *
NEU! 75 (1975) * * * * *

√ - (Volume 11 pick)

Hüsker Dü = Você se lembra?

Roqueiros de todas as espécies nascem na puberdade. É engraçado pensar o fator hormonal na descoberta do rock. Subir no palco com uma guitarra deve ser algum símbolo de virilidade dos nossos tempos. Lembro-me como estimulava minha imaginação ver meu irmão mais velho, ovelha negra da família, escutando Jimi Hendrix enquanto se preparava para sair na noite. Na minha inocência imaginava grandes amigos indo às mais loucas festas, lindas garotas, e talvez, alguma rixa para tornar as conquistas mais heróicas. Quando chegou a minha vez de conferir as delícias do mundo adolescente minha decepção não podia ser maior. Mal sabia eu que o momento de maior diversão da noite era aquele, ao preparar-se para sair escutando as bandas favoritas e imaginar como poderia ser boa aquela noite!
E não importa o tamanho da cidade, se alguém tiver a chance de ter ao menos uma noite de vencedor daquelas na vida, considere-se meu herói. Pois nas cidades pequenas compensamos no álcool o que a falta de diversidade nos nega, e nas grandes cidades estamos sujeitos a tanta hostilidade e indiferença que dificilmente há algum contato e diversão real entre as pessoas.
E se alguma vez eu quis ter uma banda, não foi para subir ao palco, ser assediado por groupies, ou medir o tamanho do meu pênis, mas para retribuir aqueles bons momentos que me proporcionaram aqueles porta-vozes das minhas expectativas, fadadas a frustração. Era assim que o punk rock soava para mim, muito antes de entender o que diziam os ganidos. Por acaso, passei a prestar atenção nas letras de bandas como Ramones, Misfits, Dead Kennedys e Minor Threat, e ainda, apesar de todas as diferenças (morbidez, ingenuidade, engajamento, ascetismo...), o que ainda pareciam me dizer é: como pode ser entediante a juventude! E repetindo esse resmungo no refrão pareciam exorcizar também o conformismo de crescer e tornarem-se adultos funcionais. Desconfio até daqueles que acreditavam estar lutando por alguma nobre causa. No fundo só queriam uma noite de diversão despreocupada, como qualquer pessoa.
Se tem uma banda seminal de punk rock que concorda comigo é o sker Dü. Conseguiam transformar a frustração e alienação adolescente em energia e momentos marcantes para walkman (também funciona em mp3). Como na volta para casa: a festa não foi legal, você não tem carona, chove, o ônibus demora e você se pergunta quando esse suplício ficará para trás. No entanto, Bob Mould canta a plenos pulmões: These are your important years, your life!
Eles conseguiram colocar alguma melodia e verdade naquele refrão, e até mesmo reverter o tédio, transformando aquela rotina de fazer nada com os amigos em momentos memoráveis.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

O Ritmo Mortal

Quando pessoas inteligentes fazem escolhas equivocadas, cabe a nós, os comuns, estar no lugar certo, na hora certa, e capitalizar. O ano era 1999 e eu visitava a casa de um amigo que, em uma de suas andanças pelo mundo, havia comprado um disco e dele não agradado muito. Ele disse: "Quer?". Eu disse: "Sim!" e o que se seguiu foi a minha completa e empolgada surpresa com a qualidade das músicas que ele tinha aberto mão e certamente um pouco de arrependimento de sua parte.
Em 1998, um ano antes do acontecido narrado acima, um grupo lançaria um disco com título tão arrogante quanto verdadeiro. THE SHAPE OF PUNK TO COME seria o quarto, absoluto e conclusivo disco da breve, porém importante, carreira dos suecos do REFUSED.
Tão pomposo quanto arrogantes, não se satisfazendo com o profético título, adicionaram um subtítulo: A Chimerical Bombination in 12 Bursts. Novamente, apesar de toda prepotência, eles acertaram em sua descrição tanto quanto (deveriam) em sua previsão e as 12 faixas que compõem o álbum são explosões de energia, revolta, raiva, melodia e agressão. The Shape of Punk to Come, desde sua ambiciosa faixa de abertura, Worms of the Senses/Faculties of the Skull, é o som de uma banda usando seus instrumentos com extrema aptidão para submeter o ouvinte à uma intensa chacina de distorções, mudanças de tempos inusitadas, urros frenéticos de Dennis Lyxzén.
Indo muito além do metal algo insosso por eles apresentado em seus discos iniciais, The Shape of Punk to Come transpira revolução em cada acorde, em cada palavra de Dennis. É complexo e pessoal sem ser hermético, é amplo e acessível sem ser genérico, é pesado e agressivo sem ser exagerado, é politizado sem ser propagandista e desonesto. É ambicioso e não apenas pretensioso.
Os estilos que se cambiam a cada minuto sem nenhum aviso vão do mais violento hardcore ao punkrock, de um inspiradíssimo metal ao jazz, tiram o solo de sob os pés, surpreendem, empolgam e, por fim, deixam óbvio que isso REALMENTE É o tipo de Punk que virá, pois, depois disso, toda a súcia de bandas incipientes que não ousarem ir além serão, além de incipientes, insípidas, inodoras, irrelevantes. No entanto, não surpreendente, não foi o que se seguiu, a mediocridade reinante proclamou reis da nova geração, para o infortúnio dos adolescentes incautos e anseiosos por novos ícones para consumir, falsos excêntricos preocupados exclusivamente com sua indumentária e em namorar estrelas de cinema. No lugar da visão revolucionária de Lyxzén e seu Refused, surgiram os indisputados donos das ondas de rádio e apesar de seu clamor de "We want the airwaves back, We want the airwaves back, We don't just want airtime, We want all the time all of the time", Dennis e seu Refused jamais fizeram o barulho que mereciam.
Com o mesmo tom profético e categórico com que o Refused nomeou seu disco, eles proclamaram a verdade incontroversa de nossa geração: "We dance to all the wrong songs, We enjoy all the wrong moves, We dance to all the wrong songs, We're not leading".
É com certa tristeza que constata-se que Refused e seu antêmico Shape of Punk to Come permaneceram relegados, objeto de apreciação e consternação, ao mesmo tempo um exemplo claro de como o Homem pode ser inspirado e revolucionário por parte da banda e tão ignorante e acomodado por parte de todos que contribuiram com sua nociva negligência para que esse disco não fosse lembrado para sempre como um dos marcos mais importantes da história do Punk.
Para concluir, devo agradecer meu grande amigo por não ter gostado desse disco e, boa alma como é, tê-lo feito de presente à mim.
Obrigado, João.


Refused - The Deadly Rhythm
(do disco The Shape of Punk to Come)




Refused - The Shape of Punk to Come









01 - Worms of the Senses/Faculties of the Skull
02 - Liberation Frequency
03 - The Deadly Rhythm
04 - Summerholidays Vs. Punkroutine
05 - Bruitist Prome #5
06 - New Noise
07 - The Refused Party Program
08 - Protest Song '68
09 - Refused Are Fucking Dead
10 - The Shape of Punk to Come
11 - Tannhäuser / Derivè
12 - The Apollo Programme Was a Hoax


Discografia:
This Just Might be... the Truth (1994) * * *
Songs to Fan the Flames of Discontent (1996) * * * *
The Shape of Punk to Come (1998) * * * * * √

√ - (Volme 11 pick)

Broken Social Scene

A querela dos gêneros é fútil. Ainda que admitamos alguma funcionalidade proporcionada pela classificação, esta beneficia apenas organizadores de prateleiras e fãs preguiçosos. Fidelidade a algum selo, ou cena pode sim criar escolas, como acontece em qualquer arte. Mas na música, o que é tão boçal é a vinculação musical a estilos de vida.
A rubrica indie rock, que inicialmente dizia respeito a independência de gravadoras, criou uma identidade sonora facilmente perceptível: uma certa precariedade na produção, que podia resultar em soluções criativas; uma tendência a experimentações na guitarra (afinações, efeitos, estrutura, inabilidade, etc...); e por fim, e não menos importante, modéstia em termos de notoriedade. Independente da lei da oferta e da procura baseada na insaciabilidade adolescente e das miríades de subgêneros que se seguiram, algumas bandas nos apresentam uma perspectiva mais atual da luta travada em nome da inovação contra o comodamente estabelecido.
O Broken Social Scene é uma banda comumente associada ao indie rock, mas suas proporções são megalomaníacas. Seu som parece clamar por grandes palcos, que acomodem seus 19 músicos, para ouvirmos em máximos decibéis o que a produção nos discos parece intencionalmente ocultar.
Se em Feel Good Lost (2001) e You Forgot it in People (2003) mantêm uma reserva introspectiva, ótima para solidão de grandes e tediosas cidades, no epônimo de 2005, produzem o próprio festival, para se dançar pulando na cama (7/4 Shoreline e Superconnected). Há ruído, mas sua origem é desconhecida, destoando com a clareza de elementos que normalmente são ruidosos, como os pratos. Algumas músicas tem uma velocidade perigosa para o trânsito (Fire Eyed Boy), em que colaboram uma profusão de guitarras fragmentadas. Outras, são atmosféricas ao estilo de Brian eno (Finish Your Collapse and Stay for Breakfast e Tremoloa Debut). As vozes são aéreas, e quase (se não totalmente) ininteligíveis, apesar de uma simplicidade melódica cativante. A voz de Feist, às vezes sensualmente ronronada (Swimmers), nos aproxima de uma familiaridade pop. No todo, formam uma massa sonora de difícil decomposição, extremamente coesa, mas de fácil penetração.


sábado, 19 de julho de 2008

O Espectro no Horizonte

A morosidade de uma tarde solitária em um sábado ensolarado ou a dormência preguiçosa de um domingo chuvoso. A tranquilidade de um quarto à meia luz ou uma madrugada passada jogado em um sofá abraçando alguém que se gosta... a beleza que vai desde os mais simples e corriqueiros cenários até ao mais vasto e amplo campo acariciado por um suave sopro de vento. A graça e melodia que marcam cada música de HEX, primeiro disco da banda BARK PSYCHOSIS, era, então, algo inaudito em bandas de Rock. Mas Bark Psychosis não era Rock, logo, precisava-se de um novo termo para definir seu majestoso e hipnotizante som.
Alguém em algum lugar, ouvindo-os, chamou-os de Post-Rock e assim iniciaria-se a aventura sem precedentes pelos relaxantes vales e planícies musicais de um dos mais injustiçados grupos dos últimos vinte anos.
Toda a abrasão caracterísitica do Rock praticamente inexiste em Hex, seu desafio consiste em seus tempos quebrados, suas melodias frugais e soporíficas, seus prolongados momentos instrumentais. Porém, se trata de um desafio que aceita-se de braços abertos. Um desafio que traz uma recompensa que vai muito além de apenas gratificante, sendo também graciosa e pacífica. A sensação é a de caminhar por entre nuvens, suspenso no ar, envolto em agradável solidão, banhado por uma morna luz do Sol que é suficiente apenas para iluminar e afastar o frio.
As camadas sobrepostas das guitarras cristalinas e a voz suave de Graham Sutton, o hábil retumbar comedido e apósito da bateria Mark Simnot, as tortuosas linhas de baixo de John Ling e o requintado piano de Daniel Gish são os simples elementos para criação de delicadas melodias que inspirariam outros grupos à seguir os caminhos desbravados por Bark Psychosis. Caminhos que levariam à aparentemente infinitos domínios etéreos livres para experimentações sem comprometimentos, porém acessível apenas aos poucos com paciência e sensibilidade suficiente para encontrar a beleza que reside nos mínimos detalhes.


Bark Psychosis - Absent Friend
(do disco Hex)




Bark Psychosis - Hex









01 - The Loom
02 - A Street Scene
03 - Absent Friend
04 - Big Shot
05 - Fingerspit
06 - Eyes & Smiles
07 - Pendulum Man



Discografia:

Hex (1994) * * * * * √
Codename: Dustsucker (2004) * * * * *

√ - (Volume 11 pick)

Animal Collective - Feels


No som de algumas bandas é sensível a diversão que envolve a criação. E isso desarma a audição de imediato, torna-nos menos impassíveis, faz-nos participantes.

Did they empty out their pockets and debase their younger faces?
and you must make sure you´re happy when you leave your summer places...

Quando amigos de infância conseguem manter-se unidos até a idade "adulta", em catárticas sessões de primitivismo musical num quarto escuro, e isso começa a resultar em discos, temos uma banda do naipe de Animal Collective. E parece simples fazer música. As idéias chegam prontas. Depois arranja-se aquilo que era apenas frenesi no violão, batuques improvisados e gritaria inspirada em uma cornucópia de ecos, timbres, cordas, pianos e temos estimulante prova de que é possível se fazer música de qualidade com inspiração e falta de vergonha.
No excelente Feels, combinam uma ambiência psicodélica com letras lunáticas, melodias imprevisíveis e voz caricatural. Nas músicas Grass e Purple Bottle a euforia tribal das percussões e a longa melodia em um só fôlego é contida pela leveza monotônica dos teclados. Em Bees e Banshee Beats um torpor opiáceo nos leva a flutuar por exóticas paisagens orientais. Loch Raven é uma delicada cançao de ninar com modulação eletro-acústica e solavancos de tambores. Turn into Something finaliza alegremente o disco com ritmo africano e melodia folk submersa em névoa. Música despretensiosa com fresco ar de novidade e invejável senso de diversão.


sexta-feira, 18 de julho de 2008

A Quimera da Birmânia

Quando a rebeldia punk encontrou o talento e a proficência de músicos realmente capazes, quando eles aprenderam a elaborar, disfarçar, ou transformar em algo mais sutil e interessante suas supostas agendas políticas, quando punks deixaram de ser pivetes com a cabeça cheia de entorpecentes (apenas) e passaram a se permitir reais ambições artísticas que iam muito além de chocar e divertir, quando se pensou o punk menos em termos de comportamento e mais em termos de música, quando a empolgação juvenil que nasceu nas ruas de Nova Iorque "morreu" precocemente em alguma sarjeta inglesa, foi quando nasceu o Post-Punk.
No desabrochar de uma década que veria o rugido estremecedor de guitarras ser emudecido pelos sintetizadores e as calças e jaquetas rasgadas trocadas por blazers com ombreiras e penteados cristalizados sob camadas de New Wave, surgiria uma banda com um disco debaixo do braço que ajudaria a definir as idiossincrasias de um movimento que, apesar de ter enlaçado com tentáculos inescapáveis grande parte da cultura underground dos anos, e décadas, subseqüentes, jamais conseguiu erguer sua cabeça acima das demais manifestações musicais inerentes à década de 80. Tal banda atenderia pelo enigmático nome MISSION OF BURMA e o disco que traziam consigo teria o simples título VS.
Entretanto, a única coisa simples de Vs. é exatamente seu sugestivo título. Secrets começa o disco e a guitarra fremente de Roger Miller soa como o primeiro e pequeno tremor que anuncia a chegada de um terremoto. E é como um abalo sísmico de proporções ridiculamente absurdas, devastando tudo num raio de incalculáveis quilômetros, não deixando sequer sombra do que havia sido e nenhuma chance de se reerguer da experiência exatamente como se era antes, que a selvageria indomável de Peter Prescott e a comedida e polida inquietude de Clinton Conley se unem a guitarra de Roger e a quimera Mission of Burma brame.
Descrever as faixas que compõem Vs. como músicas não faria justiça ao que elas são, não deixaria satisfeito. Vs. é como uma incansável batalha travada em 16 sangrentos rounds absurdamente intensos em que se é nocauteado insistentemente apenas pra ser, em seguida, salvo pelo gongo e posto de pé, ainda cambaleante, pronto novamente para a invisível e ruidosa surra sonora que lhe espera.
A brutalidade com a qual o trio (acompanhado, esporadicamente, por Martin Swope e suas "manipulações") rasga através do repertório é inebriante, impossível de não desejar pela inconseqüência juvenil, não amá-la, não querer gritar à plenos pulmões os refrões e, de punhos cerrados e erguidos, entregar-se completamente à entorpecida elação que brota queimando no fundo do peito e arde incontrolavelmente até as fronteiras entre o homem civilizado e a fera salivante.
E não há termos melhores do que os já usados, corre-se, de agora em diante, o risco eterno de tornar-se cansativo e repetitivo, mas quando se ouve Prescott enquanto ele pune irremediavelmente a bateria à sua frente e não enxergar a brutalidade e selvageria de um homem que ama cada segundo do que está fazendo, enquanto ele vocifera gritos de "Learn How", manuseando suas baquetas como um soldado atira sua arma, é simplesmente inconcebível.
É tão raro, sobretudo hoje em dia, em plena Era do Paroxismo da Insignificância, uma banda que tenha pelo menos um compositor mediano que esteja mais preocupado com suas músicas do que com suas roupas ou pelo menos um vocalista minimamente instigante que se importe mais com o que canta do que com o quão brancos e simétricos seus dentes são, que parece inacreditável o fato de Mission of Burma ter três músicos extremamente competentes, três compositores conscientes e talentosos e, sobretudo, três vocalistas empenhados, inspirados e com algo a dizer, e, cada um, dizendo o que quer com seu próprio estilo, suas peculiaridades e, mais importante, muita paixão. Roger apregoa de forma simples e ainda assim arrebatadora, Prescott grita, uiva, urge e Clint simplesmente canta com sua voz incomum melodias incomuns, porém tão perfeitas que dir-se-ia até mesmo óbvias abrindo o leque de suas influências pop.
Seja por sua arrebatadora energia, por sua inevitável capacidade de tirar o fôlego a cada estrofe, a cada riff ou sua inefável alma rebelde e provocativa, sobreviver incólume à duração de Vs. é uma tarefa, felizmente, impossível, indesejável. Se duas décadas mais tarde Roger, Clint e Prescott não tivessem provado por mais duas vezes que não atingiram o nível de genialidade e perfeição desse disco por acaso, poderia-se pensar erroneamente que sua existência se deve àqueles acontecimentos indispensáveis que ocorrem apenas uma vez na vida de poucos homens cuidadosamente escolhidos ao acaso para abençoar a humanidade com uma obra de arte verdadeiramente sublime, pois Vs. é como uma epifania. Seu único defeito é que acaba.

Mission of Burma - Red
(do disco The Horrible Truth About Burma)



Mission of Burma - Vs.










01 - Secrets
02 - Trains
03 - Trem Two
04 - New Nails
05 - Dead Pool
06 - Learn How
07 - Mica
08 - Weatherbox
09 - The Ballad of Johnny Burma
10 - Einstein's Day
11 - Fun World
12 - That's How I Escaped My Certain Fate
13 - Forget
14 - Ok - No Way
15 - Laugh the World Away
16 - Progress


Discografia:

Vs. (1982) * * * * * √
The Horrible Truth About Burma (1985) * * * *
Onoffon (2004) * * * * * √
The Obliterati (2006) * * * * * √

√ - (Volume 11 pick)

Caveat emptor! (Buyers beware!)


A força marítima britânica se fez ouvir em 2008, e dessa vez, estrondosamente. Do you like rock music?, retórica ou ironicamente, não espera a resposta de uma audiência complacente. No terceiro disco, aquele em que geralmente não se tem mais nada a provar, adquirem uma seriedade ritual, de extenuante batalha e merecida trégua, criando um brilhante mosaico poético da vida moderna.
All in it, abre o disco descomunalmente: os órgãos solenes, a explosão iminente da cadência marcial, a elusiva repetição em coro (we’re all in it, and we close our eyes), e a distorção poluída, trazem a banda para um território de tensão vivificante. Lights out for darker skies se aproxima circunavegante pela costa com violinos épicos e um excitante lirismo noturno (Welcome for a day or stay forever, There's things which we all need to navigate. Daisy chains of light surround the city now, they glow but never quite illuminate. So dance, like sparks from the muzzle). No Lucifer, um coro de caça às bruxas segue durante quase toda a música, e um crescendo apocaliptico de conspirações, ocultismo e alusões cifradas (ao papa? Can always just say no to the anti-aircraft crew, the boys from the Hitler Youth). Esquivam-se do juízo final (em meggido) para refugiar-se em sodoma, confiantes em poder derrotar diversos Lucifers.
Acenam as bandeiras inglesas em Waving Flags, e apresentam-se como bárbaros iluminados pela luz da cerveja. Acalmam os ânimos ao redor da fogueira, e contam uma tragédia, antecedida de presságio em Canvey island. Em down on the ground, uma voz doce rememora um vago conto de fadas de um reino perdido. Retomam a coragem para a jornada e espírito de aventura com riffs afiados em Trip out. Somos engolfados por alguma longa e inenarrável tribulação em The great Skua. A voz retorna, como um coro de sátiros em Atom, invoca o espírito do capitalismo e a sua consumação atômica na terra, para observar essa era sob a perspectiva privilegiada da alienação (Oh caveat emptor! Open the atom core!). Como para não desesperar completamente, e de novo zerando a tensão, no need to cry areja com sussurros a poeira atômica e desfaz o pesadelo com um afago de fria realidade. Recompõem-se novamente em Open the door, para, quem sabe, deixar entrar um novo e inexorável sonho.


quinta-feira, 17 de julho de 2008

Unmagnificent lives of adults

Algumas músicas tornam-se trilhas sonoras para momentos, estados de espírito e às vezes fases inteiras de nossas vidas, independente da qualidade. Seja pela intensidade do momento, ou pela vulnerabilidade do estado de espírito ou pela companhia que marcou tal fase, por mais que façamos um esforço para nos desvencilharmos daquela memória, quando a música toca nos tornamos novamente cativos daquele universo. Ainda assim acredito poder dizer que uma música tem valor independente da minha experiência com ela. Nós, os que dedicam mais tempo do que o razoável a apreciação musical, com o tempo aprendemos a obter prazer de um mundo que a música em si nos apresenta. Claro, um mundo que seria sem cor nem vida se não o animássemos com nossas próprias experiências e coloríssemos com a nossa palheta pessoal.
Este preâmbulo deve me autorizar a eleger o melhor disco, e talvez melhor amigo, de 2007: Boxer, do The National. Sim, é um amigo, da minha idade (You know I dreamed about you for 29 years before I saw you), descobrindo toda a beleza e ansiedade da maturidade, tardia e recém adquirida. É um disco reflexivo, auto-consciente da considerável perda de entusiasmo que consiste em tornar-se adulto, mas também satisfeito com a segurança e estabilidade que isso acarreta.
Na contramão de toda uma remessa de bandas produzidas sob medida para rejuvenescer o rock, dar uma nova vestimenta ao esqueleto cansado do rock, The national caminha lentamente, de madrugada, pela cidade que repousa após mais um dia de trabalho, sem ambições monumentais, e por isso, mais honestamente. Enquanto os dois primeiros álbuns (auto-intitulado e Sad songs for dirty lovers) soam hesitantes e sem direção, o próximo, Alligator, é pungente e vivaz como uma descoberta que determina o destino de uma vida. E finalmente, a firmeza pé-no-chão de Boxer.
Para alcançar essa maturidade, reúnem-se o sóbrio barítono de Berninger, as equações rítmicas do matemático Devendorf, a serenidade melódica nos dedilhados de Bryce Dressner.
Portanto, aqui coincidem as qualidades de uma banda de valor, e de uma trilha sonora em total sincronia com minha vida.


quarta-feira, 16 de julho de 2008

Amor de carnaval é fantasia, dura pouco só três dias.


No quinto álbum em 1967, O bidú – Silêncio no Brooklin, a excursão do Zé pretinho adentra um fantástico mundo paralelo. A charmosa alegria do “samba esquema novo” aqui toma a forma de um esfuziante transe carnavalesco pelas ruas de uma vila onírica. Desde os primeiros acordes, em que se apresenta a fremente guitarra elétrica, somos envolvidos por uma bruma que nos transfere abruptamente da realidade para uma dimensão mitológica.
Sim, como um herdeiro mulato de uma antiga estirpe de trovadores, bardos ou menestréis, nos anuncia na linguagem musical do êxtase coletivo os arrebatamentos do coração, o nascimento de príncipes, e a digna alegria do homem comum.
Acompanhado pela banda The Fevers (na mais febril promiscuidade latina) miscigenando salsa, mambo, forró, e mais afim do rock da jovem guarda do que da bossa nova, cada música tem cadência e arranjos únicos: percussões incansáveis, xilofone, teclados coloridos, um orgão (por vezes, etéreo) e metais.
E a voz do Zé pretinho, sempre calorosa, nos guia por esse mágico universo folclórico dos trópicos.
Encerra a maravilhosa viagem com a energética Si manda, nos devolvendo para a realidade insuportável da atual música popular brasileira.

Vai simbora
Tudo acabou
Ficou o espinho pois a flor murchou
Si manda, vai simbora!

01- Amor de carnaval (Jorge Ben)
02- Nascimento de um príncipe africano (Jorge Ben)
03- Jovem samba (Jorge Ben)
04- Rosa mais que nada (Jorge Ben)
05- Canção de uma fã (Jorge Ben)
06- Menina gata Augusta (Jorge Ben - Erasmo Carlos)
07- Toda colorida (Jorge Ben)
08- Frases (Jorge Ben)
09- Quanto mais te vejo (Jorge Ben - Yara Rossi)
10- Vou andando (Jorge Ben)
11- Sou da pesada (Jorge Ben)
12- Si manda (Jorge Ben)

A Alegoria do Ouvir

Como uma breve e suave lufada de uma brisa austral filtrada através da soturna fábrica de uma túnica mortuária. Como a viagem espirítual de um simples camponês de terras antípodas por paisagens exóticas e desconhecidas. Como "o som da chuva caindo através de tudo". Essas são as analogias que encontro, e que empresto, para tentar traduzir em palavras a simples experiência irisada contida nos míseros quase 55 minutos de TEMPLE IV, segundo álbum solo de ROY MONTGOMERY, certamente o guitarrista mais expressivo e original a sair da Nova Zelândia.
Temple IV consiste apenas em Roy, uma guitarra, um 4-track, muita inspiração e um pouco de auto indulgência. Tal fórmula, que já havia funcionado para outro músico antes dele (Manuel Göttsching e seu memorável e sublime Inventions for Electric Guitar), parece querer, e conseguir, redefinir o uso da guitarra, traçando caminhos muito mais sutis, delicados e profundos do que normalmente outros guitarristas fazem. As experimentações com timbres, texturas, reverberações, sobreposições, climas, estéticas, nuances e técnicas, combinadas ao estado espirítual e sentimental de um homem de talento e sensibilidade incomum, no lugar de simples notas, acordes e melodias, são o que compõem e fazem de Temple IV um dos mais raros e inigualáveis discos que se tem notícia na até então algo breve, porém tortuosa e incerta, história do que se convencionou chamar de Rock.
Lançado em 1996, Temple IV, com suas músicas tendo títulos como "Jaguar Meets Snake", "Jaguar Unseen", "The Passage of Forms" e "The Soul Quietens", em diversos momentos soa como um registro ancestral de civilizações desaparecidas, o verdadeiro opus de uma mente criativa pura e elevada supostamente impossível de se encontrar em nossos tempos.
Nesse disco, muito mais do que em seus trabalhos anteriores e posteriores, Roy parece nos propôr, ou até mesmo nos guiar, por uma viagem, uma peregrinação, densa, bela e, por vezes, assombrosa, da qual se torna impossível não guardar algo no fundo de sua alma, algo que, como aqueles cafonas óculos 3D de lentes coloridas que amávamos enquanto crianças, lhe proporciona uma perspectiva inédita, insuperável, no entanto efêmera e furtiva, da beleza, e até da tristeza, contida na experiência que chamamos de viver.


Roy Montgomery - Goodbye Mrs D'eath
(do disco Inroads)



Roy Montgomery - Temple IV









01 - She Waits on Temple IV
02 - Depatring the Body
03 - The Soul Quietens
04 - The Passage of Forms
05 - Jaguar Meets Snake
06 - Above the Canopy
07 - Jaguar Unseen


Discografia (solo):

Scenes from the South Island (1995) * * * *
Temple IV (1996) * * * * * √
An Now the Rain Sounds Like Life is Falling Through it (1998) * * * * *
True (1999) * * * *
Allegory of Hearing (2000) * * * * *
Silver Wheel of Hearing (2001) * * * * *
Inroads (2007) * * * * * √

terça-feira, 15 de julho de 2008

Wire - No blind spots...

Em pleno arroubo Punk na inglaterra de 1977, uma banda ousou transgredir o que ainda soava como último recurso. Pois na ideologia “Do whatever you want” que justificava como libertadora a crueza, inventividade era a última das preocupações, muito menos importante do que a tão apregoada “atitude”, ou seja, a agressividade inócua, a moda esfarrapada, e no melhor dos casos, uma falsa agenda política que ia do niilismo a extrema direita no intervalo entre a euforia e o tédio. Estéticamente, precisaríamos esperar mais um ano até que Joy division e a Factory records produzissem alguma inovação.
O Wire se antecipou, e com as poucas peças que tinham em mãos montaram pequenas obras de arte, instalações geométricas na galeria do ouvido interno. No primogênito Pink Flag (1977), desdenham dos riffs sujos que sustentavam a estrutura verso-refrão do punk rock. As guitarras, levemente saturadas, estão à beira de cair em loops reverberados. Ritmicamente, são irresistíveis para dedos tamborilantes e danças desajeitadas. A produção irrepreensível realçou a qualidade visual do som, distinguindo-a da bidimensionalidade punk por uma certa espacialidade quase palpável.
Com tal composição era previsível a aderência do próximo disco à texturas sintetizadas (Chairs missing, 1978). Aqui as camadas são interpostas epifanicamente. É um trabalho asséptico de criação de imagens, pastorais como em outdoor miner, antárticas como em Marooned.
No terceiro álbum (154, 1979) a banda se aproxima de cenas ainda mais abrasivas, paisagens sonoras que dissolvem-se em pura atmosfera. Aproximam-se da perfeição literária em músicas como a sublime The 15th e a soturna The other window, que narra as visões de um estrangeiro pela janela de um trem.
Essa trilogia é insuperada na produção posterior do Wire, uma estréia visionária que previu os rumos que o pós-punk tomaria, e até hoje tem o despeito de soar atual.

sábado, 12 de julho de 2008

O verão de Love


Em menos de um mês em 2006 morreriam dois homens e seriam duas perdas insubstituíveis, como todas perdas desse gênero são. Um deles seria Syd Barrett, e, naturalmente, se faz desnecessário qualquer preâmbulo. O outro, Arthur Lee.
Embora, como no caso de Barrett, o simples pronunciar do nome de Arthur devesse erradicar qualquer obrigação de introduções e explicações, o destino não quis dessa forma, e é ele, o destino, o único a ser culpado quando alguém como Arthur Lee não se torna uma lenda, daquelas que habitam o lugar sagrado reservado àqueles que foram melhores que nós e tão melhores que nós que dedicaram sua vida à, com sua música, tornar a nossa vida melhor.
Arthur Lee deveria sempre ser citado no mesmo fôlego que o supracitado Barrett e até John Lennon, como um dos compositores mais importantes dos últimos 30, 40 anos do século passado, deveria ter suas músicas ao lado de qualquer uma dos Beatles no Panteão Sagrado das Canções que Mudaram O Mundo.
Foi com seu grupo, LOVE, que Arthur Lee pode dar vazão à todo seu talento, sua necessidade insuportável de fazer de simples composições pop artefatos de valor inestimável, futuras relíquias da genialidade de um homem que permaneceriam soterradas pelo mal gosto generalizado como se fossem sementes de vida latente esperando alguém algum dia lhes dedicar o mínimo de atenção para que florescessem em algo de beleza jamais vista.
Foi assim que em 1967 Arthur Lee e seu Love surgiam em Los Angeles com um álbum que deveria estar em todas as listas jamais feitas ao lado de Pet Sounds (lançado um ano antes) e Sgt. Peppers e Their Satanic Majesties Request, ambos lançados no mesmo incrível 67, como um dos mais influentes e importantes registros musicais dessa década e de todas as outras que seguiriam.
FOREVER CHANGES era, então, o terceiro disco da banda, e o Love já possuía em seu currículo o primeiro, auto-intitulado, datando de 1966, e o excelente Da Capo, gravado também em 67. No entanto, foi com esse terceiro e definitivo álbum que a perfeição foi atingida. E. não, de forma alguma a palavra perfeição é um exagero quando se fala de Forever Changes.
Foi no mesmo 1967 que cerca de cem mil jovens se reuniram e deram origem ao que se chamou de "Summer of Love", e exatamente nesse clima, nesse ambiente que, com Forever Changes, Arthur Lee de fato transformou aquele verão no verdadeiro "Summer of Love". E, como os mesmos jovens que festejavam a liberdade em todas suas formas, Arthur Lee devia se sentir extasiado, preenchido de uma nova sensação de vida. Sentir-se orgulhoso, completo e realizado: ele havia produzido um álbum tão fantástico quanto original e definidor. Uma obra de valor categórico para gerações e gerações de futuros estudiosos, críticos, apreciadores, fãs e ouvintes em geral se deleitarem.
Desde seus primeiros segundos, Alone Again Or, música que abre o disco, já soa como algo que você sabe que jamais esquecerá, e é com surpresa que tal sensação se repete música após música, refrão após refrão, acorde após acorde desse álbum fantástico. A inquietante A House Is Not a Motel, a doce Andmoreagain e absolutamente todas as canções que compõem esse álbum fenomenal são pequenas pérolas de valor inestimável, são composições de um espírito elevado que fariam qualquer simples e mortal compositor se morder de inveja para apenas na seqüência cantá-las à plenos pulmões e submeter-se à beleza melíflua e viciante das composições de Lee.
O ápice do álbum se encontra em sua última composição, You Set the Scene é, e sobre isso não resta dúvida, uma música que define perfeitamente o que é Love e o exemplo concludente da obra chamada Forever Changes.
Uma obra de arte para ter seu valor irrevogável deve sobreviver ao teste implacável ao qual o tempo lhe submete e You Set the Scene parece ainda mais relevante hoje do que então. Analizá-la em retrospectiva, hoje, em 2008, sabendo-se da morte de Arthur, apenas faz com que sua mensagem e impacto sejam mais densos e tocantes, muito mais dignos até mesmo de reflexão.

"This is the time and life that I am living
And I'll face each day with a smile
For the time that I've been given's such a little while
And the things that I must do consist of more than style

This is the only thing that I am sure of
And that's all that lives is gonna die
And there'll always be some people here to wonder why
And for every happy hello, there will be good-bye
There'll be time for you to put yourself on"

Sim, aquele foi o tempo e essa a vida que viveu Arthur e, naturalmente, tudo que vive, morre. Foi em 3 de agosto de 2006 que ele deixou tudo isso pra trás e embarcou em sua derradeira jornada. Enquanto é inevitável um sentimento forte de tristeza ao se perder alguém especial como ele, a esperança permanece que, alhures, Arthur Lee possa desfrutar de tudo que ele fez por merecer em vida, com (e sem) seu Love.


Love - Forever Changes










01 - Alone Again or
02 - A House Is Not a Motel
03 - Andmoreagain
04 - The Daily Planet
05 - Old Man
06 - The Red Telephone
07 - Maybe the People Would be the Times or Between Clark and Hilldale
08 - Live and Let Live
09 - The Good Humor Man He Sees Everything Like this
10 - Bummer in the Summer
11 - You Set the Scene


Discografia:

Love (1966) * * * *
Da Capo (1967) * * * * *
Forever Changes (1967) * * * * * √
Four Sail (1969) * * * *
Out There (1969) * * * *
False Start (1970) * * * *
Reel to Real (1974) * * *



Alone Again Or

oh god, I love the world !!!


A frase título deste post revela a minha porta de entrada para começar a amar o mundo, quer dizer, amar o NEW MODEL ARMY. Como assim? Simples como uma noite vazia.

Creio que muitas das composições desta banda são sobre contemplar o mundo em volta, aquele mundo bem próximo, que muitos de nós tem mania de enxergar nos mínimos detalhes. Como, por exemplo, ver a ruga daquele velho imundo, analisar a ferida que coça na perna de um mendigo maltrapilho, reparar no instante em que uma pessoa pensa as coisas mais sujas do mundo e sentir-se imerso nisso tudo como mergulhado em uma piscina onde a água é a imundisse, mas mesmo assim fazemos parte desse habitat e respiramos fundo para mergulhar a cada dia.

Para mim, o som do NEW MODEL ARMY é isso, reflete isso, e me faz ficar tranquilo, pois a piscina vira um oceano e as coisas se complicam quando achamos que facilmente podemos sair. A frase título deste post foi a faísca para eu começar a queimar este combustível com a banda, logo após essa música eu olhei pro céu e entendi o que é amar esse mundo, e eu precisava sair correndo e ter pelo menos esse disco inteiro para ouvir.

O mesmo amigo que pôs o som no meu ouvido em uma noite vazia no centro de uma pequena cidade, me levou até o dono do CD Thunder and Consolation. A pequena cidade era Pindamonhangaba e, provavelmente, só este cara tinha o CD em questão. Sorrindo, ele me emprestou, gravei numa fitinha K7 e fui degustando cada som, cada advento, que as músicas me passavam, que eu vivia, eram como uma só vida, um só filme acontecendo.

Resumindo, a idéia de que somos uma grande merda nesse mundo, e o melhor é sabermos disso, e assim viver é muito mais agradável do que ter a pompa de um cocôzão de smoking.

Mas e sonoramente falando? Dizer o que sobre esta banda que tem um vocalista banguela, e que seu poder vocal é imenso, que as melodias por ele entoadas são extremamente belas e angustiantes. Precisamente falando, elas refletem aquilo que a letra diz, não há falsidade nas emoções transmitidas.

Por muitas vezes, e ficamos agraciados com isso, o violão é usado como instrumento de destaque na harmonia e isso ajuda muito a estarmos mais perto da levada sonora. A batida de palheta nas cordas de aço, a levada folk de um trovador. O violino surge como complemento para mais melodias que não tem como não querer sair assobiando.

A bateria é um espetáluco minha gente!!! Sim, o homem metrônomo nunca errou um tempo sequer, e as batidas tribais nos levam para o coração de nossos antepassados que dormiam sob a luz das estrelas.

O baixo muito destacado sempre foi marca da banda, mesmo tendo outros integrantes ocupando a posição, todos sempre se encarregaram muito bem de dar continuadade ao estilo de som das cordas graves as mais agudas, das levadas soladas e estaladas, da palhetada dura e precisa, às vezes suave e confortante.

Estilo, punk, pós-punk, folk(???)... essa é uma banda que me faz desviar de rótulos e querer divagar sobre sensações, espero que as pessoas gostem por ser música de respeito e não por um colocar um selo de glamour estampado na cara de alguem.

Tocaram por 2 ocasioões no Brasil, em 1991 e 2007. Tive a chance de vê-los em 2007, 2 noites seguidas. Foi como um longo show começado em um dia e continuado no outro. Muitas e muitas músicas e a sensação de proximidade foi comprovada quando Justin Sullivan disse: "now we are a family" e começou a cantar Ballad of Bodmin Pill cujos versos finais dizem o que realmente somos:

We are lost
We are freaks
We are crippled
We are weak
We are the heirs, we are the true heirs
To all the world.


Discografia:

Vengeance - The Independent Story (1984) ****
No Rest for the Wicked (1985) **** √
The Ghost of Cain (1986) ***** √
Thunder and Consolation (1989) ***** √
Impurity (1990) **** √
The Love of Hopeless Causes (1993) ***** √
Strange Brotherhood (1998) **** √
Eight (2000) ***
Carnival (2005) **
High (2007) ***

√ - (Volume 11 pick)

Apodreça e assimile!


Se honestamente examinarmos a função da música em nossas vidas, dificilmente evitaremos chegar a uma das duas seguintes conclusões: ou a música ecoa em cada fibra da sua alma ou a fachada com a qual você se protege do mundo tornou-o também acusticamente impenetrável. É um paradoxo, mas excesso de sensibilidade pode levar a embotamento. Cultivar o gosto não é como plantar um canteiro público. Talvez o gosto deva ser incitado, molestado, agredido, exatamente para evitar que seja embrutecido, para não tornar-se decorativo, leniente, covarde. Essa proposição aparentemente polêmica não deve ser confundida com engajamento político, ou meramente estético (sim, pois arte panfletária pode ser um entorpecente letal para os sentidos). Tento apenas, de modo simplório, exprimir a intuição dialética que parece mover as vanguardas, e em última análise, a vida.
Essa digressão, em sua forma, em nada se parece com o que viso apresentar, que é a importância de uma certa estética indigesta para a história oficial da música, sob o auspício de uma banda específica: Skinny Puppy. No entanto, quanto ao conteúdo, penso ter fundamentado o argumento defensivo diante da mais sensível audiência, vítima do massacre sonoro que esse grupo executa. Uma parca descrição para um curioso desavisado: É como o som do cataclisma que todos os jornais do mundo (esses repositórios de miséria humana) em uníssono não conseguiriam reproduzir; a grande excreção através da qual a Terra finalmente retornará ao inorgânico.
A destrutividade inescapável da engenhosidade humana servindo a um fim em si mesmo: essa é a grande catarse da música dita industrial. E não são muitas as bandas que merecem atenção... Podem tornar-se apenas tristes manequins da fealdade. Aliás, a grande maioria tornou-se. Outro mérito doentio do Skinny Puppy: foram tão excessivos que esgotaram os recursos das gerações posteriores, e considerando-se seu o último álbum, também não restou muito para eles próprios.
Talvez não tenham sido os primeiros, ou os mais originais (penso respectivamente em Throbbing gristle e Einstürzende Neubauten), Mas arriscaria colocá-los num inigualável patamar de intensidade. Tanto pela verborréia tóxica que jorra torrencialmente da garganta de Ogre, quanto pela urgência rítmica de cEvin, sem mencionar o pandemônio sintetizado pelo falecido Goettel.
Até o Process, compõem uma obra que adubará com a morte os canteiros públicos do gosto.

Space-Metal Attacks


Clutch é o som definitivo para você sair à noite com seu carro, de vidrinho semi-aberto, paquerando as meretrizes, daquelas famosas ruas, que te jogam beijinhos e acenos porque você é um cara atraente que desperta interesse em todos seres do sexo oposto, sejam lobas, raposas ou franguinhas.

Agora ignore completamente a primeira parte, porque não tem nada de verdadeira (e eu espero, para o seu próprio bem, que você não acredite que consiga programas de graça porque tem um charme irresistível).

Clutch pode não ser o som para você ficar de paquerinhas com prostitutas (ufa!), mas o disco, auto-intitulado, lançado em 1995, é perfeito para as noitadas relaxantes, trocando idéia com os melhores amigos ou com aquela mina doidinha especial, e encharcadas de álcool ou ricas em substâncias que alguns usam e tem vergonha de assumir, fica ao seu critério.

Talvez esse disco não tenha se tornado um clássico por ter sido lançado na mesma época em que os grupos de nu metal começaram a tomar conta, aquele fenômeno que foi Korn e outras bandas cuidadosamente construídas, tijolo por tijolo, para aquela geração que anseiava por ídolos sociopatas de boutique, garotos-problema tão rebeldes quanto vilões de filmes da sessão da tarde.

Neil Fallon (vocal), Tim Sult (guitarra), Dan Maines (baixo) e Jean-Paul Gaster (bateria) não precisavam (e ainda não precisam) de roupas e penteados especiais, eles tinham esse disco, uma mistura space-rock grotesco, de Led Zeppelin, Black Sabbath e uma pitadinha de funk troglodita (quase que uma cortesia apenas do vocal de Fallon).

Não é um disco que a playboyzada vai tocar nos churrasquinhos nas chácaras, muito menos vai lotar de fãzinhos hypes que passam horas na frente do espelho (des)arrumando o cabelo e combinando peças de roupa ou de adeptos valentões que comem um Wendy's Baconator no café da manhã, mas gravado, sim, para pessoas que orgulhosamente não participam de ceninhas e que sabem que a verdade está lá fora.


Clutch - Clutch









01 - Big News I
02 - Big News II
03 - Rock N Roll Outlaw
04 - Texan Book of the Dead
05 - Escape From Prison Planet
06 - Spacegrass
07 - I Have the Body of John Wilkes Booth
08 - Tight Like That
09 - Animal Farm
10 - Droid
11 - The House that Peterbilt
12 - 7 Jam
13 - Tim Sult vs The Greys


Clutch - Spacegrass

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Memory Cords Over the Bay




Alguém uma vez disse que "talvez existissem mesmo gigantes andando sobre a Terra por volta de 70 e poucos". Se realmente existiam e andavam a Terra livremente, tais gigantes, eu tenho certeza do nome de, pelo menos, dois: Damon Edge e Helios Creed.
Enquanto seus nomes apenas sugerem que eles talvez sejam seres grandiosos e diferentes de nós, é o seu legado sonoro, o rock 'n roll nu, cru, bombástico, de alma robótica chamado CHROME que remove qualquer sombra de dúvida que possa restar.
No período em que começaram suas atividades, por volta de 76, numa era marcada pelo 'fim' do progressivo e o 'boom' do punk, o Chrome era algo como um filho do meio da história, sem fincar seu pé em nem um, nem outro movimento, mas emprestando de ambos para criar sua própria barulhenta e inconveniente forma de perturbação, também chamada de música. Como é comum aos gigantes, por onde passavam Damon Edge e Helios Creed, estragos eram normais. Provavelmente garotos jamais olharam para seus instrumentos novamente, sentindo-se maricas por querer fazer suas pentatônicas, provavelmente namoradas abandonaram seus mocinhos, sonhando um dia tornarem-se companheiras de seres humanos superiores, daqueles que grunhiam, berravam, destruiam guitarras sem despedaçá-las, marcavam vidas e rompiam barreiras sem ao menos tentar.
Em seus piores momentos, antes da chegada e após a partida de Helios Creed, Damon Edge ainda conseguia criar momentos absurdamente perturbadores, seja pelo barulho, seja por ser diferente de tudo que se ouvia então, seja por simplesmente querer ser pertubador, mas é em companhia de Creed que ele realmente brilhava, e quando Chrome brilhava, ofuscava tudo num raio de um milhão de quilômetros.
Após um começo titubeante, buscando um solo ainda novo a devastar, em The Visitation, algumas mudanças ocorreram e, com a entrada de Creed em cena, Alien Soundtracks apareceu no horizonte. Os vocais agudos e distorcidos de Edge, sua bateria gaguejando batidas enquanto a guitarra de Creed arrebenta irreversivelmente os limites entre o aceitável e o absurdo, seriam a marca registrada da banda e aquilo por qual ela ainda é lembrada, por aqueles poucos que dela ainda lembram.
Suas letras praticamente ininteligíveis parecem falar de um futuro tecnológico precário, clonagens, invasões espaciais, um estado autoritário e castrador, claro, tudo num tom absurdo que traz a mente os momentos mais insanos de Brazil - O Filme.
Esse massacre sonoro em lo-fi delineado por paranóias futurísticas messiânicas durou enquanto durou a parceria Creed/Edge e talvez tenha como documentação mais relevante e completa a coletanêa "Having a Wonderful Time With the Tripods", uma coleção psicopata dos mais insanos, logo, melhores e mais descontrolados momentos que a dupla produziu, além disso, é um dos poucos lugares onde pode se encontrar a faixa "Meet You in the Subway", uma punk-proto-industrial-whitetrashy fantástica que talvez tenha seu trono como Melhor Música ameaçado apenas por "You've Been Duplicated", "Half Machine Lips Move" e "TV as Eyes".
A opinião que impera na maioria dos casos é que, após a saída de Helios Creed, Damon Edge não conseguiu manter o mesmo nível de brilho e agressividade de outrora, e isso é verdade. Aquela ameaça implícita e agressividade na sua cara, como um filme de Sam Peckimpah, sumiram, dando espaço ao contumaz Edge para expor talvez algo um pouco mais pessoal, ainda assim calcado em distopias (de novo?) futurísticas. É quase um desafio, mas como alguém pode ouvir "Walking and Looking for You" e dizer que Damon Edge sozinho é incapaz de produzir música boa? Certo, as guitarras agora, não mais a cargo de Helios, soam mais genéricas, mas novas nuances tomam o seu lugar, a agressividade cede espaço a paranóia. "Angel Fire", "If You Come Around", "I Found Out Today", os exemplos de Edge sozinho se virando perfeitamente bem sob a alcunha Chrome são inegáveis e estão todos compilados em outra coletânea chamada "Having a Wonderful Time in the Juice Dome".
Infelizmente, gigantes não são imortais. Em 1995 Damon Edge deixou de ser. Até o dia de hoje, Helios Creed ainda grava e lança, álbum após álbum, um trabalho de qualidade excelente, mas pra sempre seus nomes serão lembrados como aqueles gigantes que devastaram tudo ao seu redor sem mesmo um olhar de soslaio, sem mesmo se importar se o solo que eles pisavam serviria pra alguma coisa depois que eles passassem, talvez sem imaginar que toda devastação que causaram serviria de alicerces para futuras gerações de admiradores e seguidores. Damon Edge e Helios Creed serão para sempre lembrados como os gigantes do Chrome.





Discografia:

The Visitation (1977) * * *
Alien Soundtracks (1978) * * * *
Half Machine Lips Move (1979) * * * * * √
Red Exposure (1980) * * * *
Blood on the Moon (1981) * * * *
3rd From the Sun (1982) * * * * * √
No Humans Allowed (1982) * * * *
Raining Milk (1983) * * *
Into the Eyes of the Zombie Kings (1984) * * * *
Having a Wonderful Time With the Tripos (1995) * * * * * √
Having a Wonderful TIme With in the Juice Dome (1996) * * * * * √

√ - (Volume 11 pick)