sábado, 12 de julho de 2008

Apodreça e assimile!


Se honestamente examinarmos a função da música em nossas vidas, dificilmente evitaremos chegar a uma das duas seguintes conclusões: ou a música ecoa em cada fibra da sua alma ou a fachada com a qual você se protege do mundo tornou-o também acusticamente impenetrável. É um paradoxo, mas excesso de sensibilidade pode levar a embotamento. Cultivar o gosto não é como plantar um canteiro público. Talvez o gosto deva ser incitado, molestado, agredido, exatamente para evitar que seja embrutecido, para não tornar-se decorativo, leniente, covarde. Essa proposição aparentemente polêmica não deve ser confundida com engajamento político, ou meramente estético (sim, pois arte panfletária pode ser um entorpecente letal para os sentidos). Tento apenas, de modo simplório, exprimir a intuição dialética que parece mover as vanguardas, e em última análise, a vida.
Essa digressão, em sua forma, em nada se parece com o que viso apresentar, que é a importância de uma certa estética indigesta para a história oficial da música, sob o auspício de uma banda específica: Skinny Puppy. No entanto, quanto ao conteúdo, penso ter fundamentado o argumento defensivo diante da mais sensível audiência, vítima do massacre sonoro que esse grupo executa. Uma parca descrição para um curioso desavisado: É como o som do cataclisma que todos os jornais do mundo (esses repositórios de miséria humana) em uníssono não conseguiriam reproduzir; a grande excreção através da qual a Terra finalmente retornará ao inorgânico.
A destrutividade inescapável da engenhosidade humana servindo a um fim em si mesmo: essa é a grande catarse da música dita industrial. E não são muitas as bandas que merecem atenção... Podem tornar-se apenas tristes manequins da fealdade. Aliás, a grande maioria tornou-se. Outro mérito doentio do Skinny Puppy: foram tão excessivos que esgotaram os recursos das gerações posteriores, e considerando-se seu o último álbum, também não restou muito para eles próprios.
Talvez não tenham sido os primeiros, ou os mais originais (penso respectivamente em Throbbing gristle e Einstürzende Neubauten), Mas arriscaria colocá-los num inigualável patamar de intensidade. Tanto pela verborréia tóxica que jorra torrencialmente da garganta de Ogre, quanto pela urgência rítmica de cEvin, sem mencionar o pandemônio sintetizado pelo falecido Goettel.
Até o Process, compõem uma obra que adubará com a morte os canteiros públicos do gosto.

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