sábado, 30 de agosto de 2008

cavalo selvagem

Este é um daqueles momentos nos quais uma imagem supera qualquer palavra (ou conjunto delas). Tal imagem certamente seria uma pintura. O sonho impressionista que Monet não conseguiu pintar. Talvez ostentasse um céu, talvez um Sol e tanto Sol quanto céu se refletissem à superfície de um rio (talvez um lago) em evidentes pinceladas delicadas, desleixadas e precisas ao mesmo tempo. A luminosidade seria densa de fim de tarde e seria quase possível pegá-la e sentí-la aquecendo as mãos enquanto escapa por entre os dedos. Provável, no mesmo quadro, na mesma paisagem, fosse possível vislumbrar, caso se observasse com dedicação, o fugaz espectro pacífico de um animal, certamente um cavalo, bebendo mansamente da água em pinceladas refulgentes. Embora o Sol desça em tangíveis raios sobre a paisagem, à distância estariam nuvens cor de chumbo, carregadas e decididas por se desmanchar em chuva renovadora sobre o calmo dia que morre.
Seria uma paisagem bastante nítida, no entanto, ela mudaria completamente de forma dependendo do ângulo observado, sequer conservaria suas cores, embora certamente carregasse ainda a mesma calma e morna sensação agradável de 'retorno à casa'.
Tal quadro permanece não pintado por ser impossível criá-lo com pincéis, tintas e uma mera tela em branco. Para ser perfeito, precisar-se-iam guitarras.
E com elas Mark Linkous deu vida em forma de música à o que foi até aqui descrito e propalou ao mundo em quatro álbuns (até o presente) e sua banda, SPARKLEHORSE, é melhor compreendida dessa forma do que se fosse dedicado tempo à falar unicamente sobre sua música, um som que inspira devaneios, tanto os piegas quanto os venturosos, e traz à mente imagens que não encontram (e nem poderiam encontrar) correspondentes no mundo das coisas reais que se revelam aos olhos.
Espere encontrar em suas músicas guitarras que emanam calmamente dos alto-falantes e envolvem sem fazer alarde quase abafando a frágil voz de Linkous. Outras vezes as guitarras vêm como monções, seu ataque é mais feroz e por vezes são totalmente substituídas por mansos violões esparsos, sempre permanecendo a sensação peculiar de um sonho que foge à mente logo após despertar, do qual se guarda poucos fragmentos, insuficientes para concatenar uma narrativa coerente, mas, ainda assim, material abundante para fantasias.
Linkous, com bastante parcimônia, levou 11 anos para lançar apenas quatro álbuns, embora permitindo-se hiatos que chegaram a 5 anos entre um disco e outro, tal tempo de incubação se provou repetidamente justificado tendo em vista o esforço sobre-humano necessário à alguém dedicado ao infrutífero ato de tentar encontrar uma única música ruim nas pouco mais de 57 que compõem a obra oficial da banda.
Mergulhado num mundo criado por ele mesmo e uma estética bastante peculiar, Sparklehorse recusa a se encaixar neste ou naquele gênero, e, embora goze de certo reconhecimento, ainda está longe de ter o respeito e fama que lhe parecem de direito. De uma forma ou de outra, desligando-se de preocupações práticas, o que é certo e irrefutável é que a banda de Mark Linkous é uma pérola esperando por ser encontrada, querendo ser descoberta, implorando por seus ouvidos, merecendo seus sonhos.

Sparklehorse - Homecoming Queen
(do disco Vivadixiesubmarinetransmissionplot)



Sparklehorse - Hammering the Cramps
(do disco Vivadixiesubmarinetransmissionplot)


Discografia:

Vivadixiesubmarinetransmissionplot (1995) * * * * * √
Good Morning Spider (1998) * * * * * √
It's a Wonderful Life (2001) * * * * *
Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain (2006) * * * * * √

Enquanto o vinil empena ao sol...


Quem cresce sem um bom e tradicional avô para o sentar no colo da história pode se pegar nostálgico de coisas que nem viveu. E para preencher esse vazio assumir um conservadorismo com recortes de jornal velho. Em essência todo purismo desses diagnósticos precipitados (sempre precipitados) do declínio da cultura repousa nessa saudade de algo que nunca houve.
A minha geração testemunhou boquiaberta o exponencial avanço da informática, e mesmo sem assimilar, esta penetrou na vida de tal forma que não consigo me imaginar sem acordar e ligar o computador, e mais importante, sem meu suprimento diário de mp3.
Eu já tentei colecionar vinis e desisti pela falta de renovação nos sebos em que mofava. Claro, só chegava coisa nova quando algum colecionador morria de doença cardíaca ou solidão, e lá iam descarregar suas tralhas na porta do sebo. Impossível competir com o ritmo de uma banda larga de sei lá quantos gigas.
Mas sim, correndo o risco de cair no velho discurso circular (disco arranhado), eu sinto falta dos tempos do vinil. Mesmo ciente do fator fetiche, do quão imprático e frágil era o bolachão, e de como as novidades demoravam até rodar na minha vitrola, eram tardes sagradas aquelas que estreiavam o lado A de alguma banda que eu só ouvira falar.
Lembro-me de quando o CD já era moda há algum tempo, mas os vinis ainda eram vendidos a preço de banana para se desfazerem daquele último estoque, e eu juntava o troco do pão para salvá-los do descaso. Descobri as bandas intemporais por aqueles vinis, como Sonic Youth, Smiths, e etc.
Algumas delas eu não descobri por vinil, mas estas me transportam para esse tempo do qual não desfrutei, como o Felt.
A banda nasceu em 1980 e parecem ter crescido e morado a vida inteira lá, para que sempre a escutemos com saudade. Longe de soarem datado, parecem não acompanhar o ritmo do nosso tempo, marcado por hits, singles, e muito barulho por nada. Lawrence construiu sua obra numa dimensão intangível, com uma sensibilidade que não é capturada nas malhas comerciais. Aí imprimem à banda esse status ambíguo de cult, que parece uma vingança póstuma da indústria fonográfica. Mas claramente nota-se que é uma banda despretensiosa, prestando tributo a seus inspiradores (Tom Verlaine, Lou Reed...) com uma voz singular, um guitarrista excepcional e atmosfera de dar calafrios. Álbuns que eu pagaria uma fortuna para resgatar se encontrasse em algum cemitério de vinis...


quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A noite de Dead Moon

DEAD MOON é apenas uma banda.
O quero dizer com isso é que não tenho grandes histórias de vida ouvindo-os e, sendo assim, meu julgamento não é inclinado à um lado ou outro pelo fato de admirá-la incomensuravelmente. O grupo não possui grande significado transcendental nas três décadas e pouco mais que até agora tenho vivido, portanto, quando falo dele não me apego à memórias de dias passados da minha juventude embalados ao seu som, o que me propicia o despreendimento necessário para falar única e exclusivamente de suas músicas e nada mais.
Cheguei até a banda seguindo as trilhas deixadas pelo heróico Greg Sage, trilha que segui até me embrenhar voluntariamente pelo submundo do punk de Portland. Grupos como Napalm Beach, Neoboys, Poison Idea, Stiphnoids e Lotek, ao lado do próprio Dead Moon, sob a liderança inconteste dos Wipers ajudaram a colocar a cidade no mapa da relevância musical e solidificaram, longe do hype e do arisco olho da Grande Imprensa Musical Especializada, uma cena bastante peculiar e sedimentada, auto-suficiente e algo desplugada das demais cenas norte americanas.
De todos os desvelados músicos que construiram com muito suor e dedicação a cena punk de Portland, o que está a mais tempo no métier é justamente Fred Cole, um genuíno operário da música. Sua primeira banda, The Lollypop Shoppe, data dos meados dos anos 60 e desde então já acompanhado por sua inseparável pareceira de banda (e, posteriormente, de vida), Toody Cole, que volta e meia empresta seu miar algo irritante, algo desafinado, bastante desleixado às composições potentes de Fred.
Embora Dead Moon trilhe caminhos que inexistiam por volta de 1960, é bem marcada por um 60tismo e 70tismo bastante peculiar e talvez seu som se torne ainda mais próximo aos dá época dadas as produções "precárias" (pelo menos para padrões modernos) que marcam cada um de seus discos, fruto inconteste da cruza lancinante de lo-fi e lo-budget, dando luz à um som que por vezes soa como um rockabilly sanguinário e obscuro e por vezes como um punk inocente, remotamente divertido e, ao mesmo tempo, autoconsciente e pé no chão. Ainda outras vezes soa como as lamúrias de resilientes perdedores acorrentados ao nada, tentando se lançar novamente rumo à algo eternamente fora de alcance.
Como a maioria das bandas atuais que resolvem deixar as suas influências bastante proeminentes exploram sonoridades próximas a grupos como Stooges, Richard Hell e Velvet, entre outras bandas mais valorizadas pela "bacanisse" do que seu próprio som, Dead Moon em seu involutário revival se aproxima mais de grupos como Love e Pere Ubu, o que destaca seu som do zumbido maçante de seus 'contrapartes' contemporâneos, perdidos em eternas e inócuas emulações. Em músicas como Street of Despair, A FIx on You, In the Altitudes e Sorrow's Forecast, Fred derrama toda sua melancolia, marcada por seu carisma e falta de pretensão, e embora isso possa soar como algo pejorativo, suas músicas possuem alma, honestidade e energia próprias, predicados suficientes por si só.
Dead Moon pode não ser a banda mais fantástica do mundo, ora, ela não é a melhor nem de Portland, embora isso esteja longe de ser um demérito tendo em vista o quão incomparável é Greg Sage e seu Wipers, mas, mesmo assim, é sem dúvida uma das bandas ignoradas que não deveriam o ser. Street of Despair, sozinha, lhe provará o que eu digo.


Dead Moon - Dead Moon Night
(do disco Dead Moon Night)



Dead Moon - It's Ok
(do disco Crack in the System)




Discografia:

In the Graveyard (1988) * * * * * √
Unknown Passage (1989) * * * *
Defiance (1990) * * * *
Thirteen Off My Hook (1990) * * * * * √
Live Evil (1991) * * * *
Stranded in the Mystery Zone (1991) * * * * *
Strange Pray Tell (1992) * * * *
Crack in the System (1994) * * * * *
Nervous Sooner Changes (1995) * * * *
Hard Wired in Ljubljana (1997) * * *
Destination X (1999) * * * *
Trash & Burn (2001) * * * *
Alive in the Unknown (2002) * * *
Dead Ahead (2004) * * * *
Echoes of the Past (2006) * * * *

√ - (Volume-11 pick)

domingo, 24 de agosto de 2008

Loucura dá dinheiro?


A resposta é não, principalmente tratando de um tarado psicótico que não tem o menor pudor de mostrar todas as suas depravações de sua mente perturbada em suas letras. De modo direto, a poesia do estupro. A poesia do feio que não quer ser bonzinho, quer esfolar as frescuras alheias.

E a bebidas e todas as drogas atuam como combustivel, incendiando letras e ritmos que algus dizem ser "do metal", outros lá mais "pro punk". Eu não discordo, mas gosto de ver como a harmonia dos 2 estilos em uma só banda, em uma só "musica".

Bom, se problema psicológico é o que mais temos a destacar, porque nao darmos o nome da banda de terapia? (THERAPY?) Por que a interrogação? Diz a lenda que o próprio Andy Cairns(guit/voz) estava montando a capa de seu primeiro EP e viu que o nome da banda estava fora de centro, tacou a interrogação para resolver o problema sem ter que começar tudo de novo!!!

Eu diria que este foi o ato mais são da parte dele...mas em músicas como Teethgrinder fica claro, que nem mesmo a noite ele estava tranquilo.

Ao disco inicial, deu se o nome Babyteeth[EP](91), a cidade que pariu a loucura não podia ser outra no mundo todo, Belfast!

O primeiro full lenght saiu como Nurse(93) com o hit teethgrinder aparecendo nas radios e MTV. Estavam inseridos na geração das novas bandas inglesas do começo dos anos 90, tocando e aparecendo junto com Chapterhouse, Neds Atomic Dustbin, Spiral Carpets. Porém, o som se destaca muito da linha destas bandas britânicas.

A energia das músicas, dos vocais, as guitarras mais pesadas e a bateria com a caixa bem estalada muitas vezes levam as pessoas a comparar com Helmet, que estava surgindo na mesma época do outro lado do oceano. Eu prefiro não comparar as 2 bandas, pois esse leve detalhe em nada une o que ambas são.


Com Troublegum(94) a banda conseguiu seus maiores sucessos de mídia, e também um dos seus melhores discos. Não tem como não ouvir inteiro esse LP cantando tudo com aquela vontade de matar e ser preso(digo isso imaginando que vc que está lendo não é um playboyzinho nos moldes do papai e mamae).

Foi desse disco que saiu a música que me levou a colocar esta banda no meu top 10. Tinha um programa na rádio de blumenau que estava tocando uns sons atuais e um dia eu gravei a dita cuja, depois, pra variar, consegui um cd emprestado e gravei. Coincidentemente ou nao o CD era de um cara piradao da minha sala, diziam que ele quase se jogou da ponte um dia. Mas uma fitinha nao bastava, depois adquiri o cd em alguma lojinha, perdido entre promocoes de discos que nao vendem, pois poucos sabem comprar!

Depois de um ano a banda parecia outra, foi até dificil de assimilar a principio o Infernal Love(95), disco e ano que trouxeram a banda pro brasil, para tocar no Monsters of Rock. Na época eu não tava afim das bandas de metal que iam tocar, mas não podia nem pensar em perder o Therapy? no brasil. Fui lá e não me recordo de muita coisa do show......infelismente......foi um perreio esse dia.

3 anos se passaram, e saiu Semi-detached(98). Algo estava muito errado...o disco é bom, digo que é o último bom disco da banda...porem como o proprio nome diz, a loucura estava sendo desanexada. E ainda por cima, um dos bateristas mais legais(Fyfe Ewing) deixava o mundo da música, saindo da banda por motivos desconhecidos por mim pelo menos.

Depois, a cada disco, eu sentia menos a loucura pulsante. A graça acabou, a vida normal veio e tomou de assalto a banda que me fazia achar algo mais alem de trabalhar todo dia pra receber uma grana certa no fim do mês.

We're just bored teenagers looking for emotional rages...

Num momento em que o movimento punk estava em plena metástase, poucos grupos tiveram a coragem de assumir-se como o que eram, efêmera fase de transição entre dois momentos peculiares da história do rock, projetos à serem aperfeiçoados com o tempo. A maioria deles, apesar de assumirem discursos de porra-louquice e nenhum comprometimento tiveram suas futuras inevitáveis ambições castradas pelo seu próprio comportamento inconsequente e sua auto-imagem forjada cautelosamente e engravada nas mentes dos jovens órfãos que repentinamente encontravam real direção de vida na bufonaria alheia. Tais grupos tornaram-se prisioneiros eternos de sua imaturidade e infantilismo, acorrentados por livre e espontânea vontade ao triste solo dos comuns, suas asas cortadas por suas próprias mãos condenando suas ambições, que morreriam secas por serem proíbidos de cultivá-las já que isso iria de encontro à todo pressuposto por trás de suas ações. E isso descreve até alguns bons grupos do período.
Disfarçados como a própria onda que surfavam a crista em tal período, 1976 à 1979, pouquissimos grupos punks tiveram a honestidade de assumir-se como o que eram realmente sem a única intenção de parecer comuns. Quando THE ADVERTS lançou seu primeiro single, One Chord Wonders, isso era o que eles eram, garotos (e uma garota) que não sabiam tocar nada direito, fazendo música simples por pura diversão, e isso eles faziam como poucos no período. E fizeram com tanta vontade, energia e inspiração que, dentro de alguns anos lançariam seu primeiro disco, CROSSING THE RED SEA WITH THE ADVERTS, quase uma simples compilação de todos os seus singles, mas que, ao mesmo tempo possuia personalidade suficiente para lhe transformar num dos melhores discos não apenas da era punk, mas de todo os anos 70.
Em seus originais 40 e poucos minutos (embora seja mais popular hoje a versão com alguns extras chegando quase à marca de uma hora de música), Crossing the Red Sea é uma explosão de energia e ânimo juvenil, fruto inconfundível do período da história em que foi concebido e repleto do ímpeto peculiar à fase da vida de seus membros, é prenhe de juventude, também é inconsequente, mas uma espécie doce, inofensiva e, sobretudo, honesta de inconsequência.
Desde a música que abre, One Chord Wonders, passando por Bored Teenagers, The New Church, a controversa Gary Gilmore's Eyes, a ultra-contagiante-eternamente-juvenil-e-rejuvenescedora Safety in Numbers, Crossing the Red Sea é implacável em seu constante ataque, ao mesmo tempo agitador e confortável, abrasivo e altamente musical, menos importante, os Adverts talvez ainda sejam involuntariamente diretos responsáveis pelo clichê-que-viria-a-ser da garota-tocando-baixo-numa-banda-de-rock, algo cooptado por diversas bandas de sucesso das décadas subsequentes.
Entretanto, como muitas bandas boas da década de 70, os Adverts não tiveram a tenacidade necessária para segurar as pontas e adentrar os anos 80, década que, com a expansão das rádios de rock, gravadoras independentes, canais de televisão dedicados à música (aah, bons tempos...) e a real possibilidade de concretização do ideal DIY, consagrou diversos ídolos e estrelas que, alguns anos atrás, não seriam nem mesmo sombra de muitos que continuam até o dia de hoje condenados indefinidamente ao ostracismo ou simplesmente ao anonimato. Entretanto, de uma forma ou de outra, o que é fato irrevogável é que os Adverts, em seu Crossing the Red Sea With the Adverts, têm um disco que merece lugar de destaque na estante de qualquer um que se meta a dizer que gosta de música, atingiram um equilibrio raro e perfeito entre música e diversão, involuntária precisão e incrível inconsequência, uma fórmula excelente e tão complexa que, infelizmente, nem mesmo eles conseguiram repetir com sucesso.


The Adverts - Gary Gilmore's Eyes / Bored Teenagers
(do disco Crossing the Red Sea With the Adverts)



The Adverts - No Time to Be 21
(do disco Crossing the Red Sea With the Adverts)



The Adverts - Crossing the Red Sea With the Adverts











01 - One Chord Wonders
02 - Bored Teenagers
03 - The New Church
04 - On the Roof
05 - Newsboys
06 - Gary Gilmore's Eyes
07 - Bombsite Boy
08 - No Time to Be 21
09 - Safety in Numbers
10 - New Day Dawning
11 - Drowning Men
12 - On Wheels
13 - Great British Mistake
14 - Quickstep
15 - We Who Wait

Discografia:

Crossing the Red Sea With the Adverts (1978) * * * * * √
Cast of Thousands (1980) * * *

√ - (Volume-11 pick)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

You can use it as a weapon or to make some woman smile

NEW SKIN FOR THE OLD CEREMONY veio no ano de 1974 e, completando cinco discos em sua bagagem, talvez fosse então que a fortuita aventura como singer/songwriter de LEONARD COHEN começava a fazer frente à sua moderadamente festejada carreira como poeta e novelista. Talvez apenas Burroughs, antes dele, Cohen, tenha trilhado um caminho longe de idêntico, mas pelo menos levemente similar, migrando de atrevimentos literários bem sucedidos para incursões no mundo da música, porém, enquanto Cohen distilava com extrema imprudência e hablidade suas desaventuras amorosas e contos de vidas erráticas, imaginados ou não, Burroughs apenas se limitava à participações de fato especiais em trabalhos de terceiros, logo, equipará-los em tal âmbito é algo próximo a inimaginável.
Comparado aos discos que o precederam, New Skin é como o primeiro inspirar sem máquinas de um paciente recém saído de um longo e solitário coma. Tematicamente, não é um álbum tão pesado quanto seus predecessores, e, muito embora seus perdedores românticos e vãos conquistadores (sempre se confundindo) ainda sejam as vítimas dos libelos de Cohen, suas histórias são tingidas com nuances traiçoeiramente esperançosas. Os mesmos temas, recorrentes em toda sua obra, estão lá; plácidas referências ambíguas à vidas militares, uma doce/amarga distorcida religiosidade, seu insensível sempre autodepreciativo senso de humor e alusões metalinguísticas, as mulheres que vão da invulnerabilidade à fragil loucura em uma mesma estrofe e, naturalmente, o sexo.
Is this What You Wanted abre o disco com seu ritmo obtuso e Leonard diminui-se perante uma mulher (You were Jesus Christ my Lord / I was the money lender), trata suas lembranças comuns como assombrações (is this what you wanted / to live in a house that is haunted / by the ghost of you and me), apenas para, naturalmente, ao fim, entregar a si mesmo, como uma dádiva improvável, o controle da situação (you said you could never love me / I undid your gown), um microcosmo da inexorável realidade das relações amorosas entre gêneros.
Durante toda sua duração, Cohen, pela primeira vez acompanhado de bandolins, violas, banjos e percussões, usa como metáfora os campos de batalhas para falar de relações conjugais e entre obras primas como A Singer Must Die, onde invoca uma auto justificada punição por seus crimes contra a moral em suas canções, I Tried to Leave You, Why Don't You Try e a estupenda Field Commander Cohen, Leonard exprime seu instigante conflito entre esperança e consternação enquanto fala do que "era chamado amor pelos operários das canções".
O ponto mais alto entre todos os pontos altos do disco é a assumidamente autobiográfica Chelsea Hotel No. 2 e, certamente, é também a única justificativa para a existência desinteressante de Janis Joplin no mundo da música (além da história que meu pai - Deus o tenha - sempre contou, com certo hálito de uísque, de como foi pegá-la quando ainda era jovem e morava em Brasília... quando ela ainda era negra).
Na mesma música, Cohen oscila entre elogios afetivos (I remember you well in the Chelsea Hotel / you were talking so brave and so sweet) e réplicas tardias à provocações (You told me again you preferred handsome men / but for me you would make an exception / and clenching your fists for the ones like us / who are oppressed by the figures of beauty / you fixed yourself [...]) apenas para terminar, após tão 'belas' memórias, desprezando-as como nada mais que isso, lembraças corriqueiras de um passado insignificante que rescende à sexo e outros abusos (I don't mean to suggest that I loved you the best / I can't keep track of each fallen robin / I remember you well in the Chelsea Hotel / That's all, I don't think of it that often).
Mesmo numa obra sólida como é a de Cohen, um disco como New Skin consegue se destacar de forma a não deixar dúvida que é um daqueles discos cujas glórias possuídas, por maiores que sejam, não fazem jus à sua grandiosidade e qualidade, e, nesse caso, tal qualidade das músicas é apenas suplantada pela perfeição milimétrica das letras. Uma vez que New Skin começa, nota-se que se trata de alguma coisa diferente, de um gênio em sua era mais áurea em perfeita execução de seu dom, e uma vez que ele acaba, você está dispensado para "voltar à nada especial [...] e outras formas de tédio anunciadas como poesia".


Leonard Cohen - Chelsea Hotel No.2
(do disco New Skin for the Old Ceremony)


Leonard Cohen - A Singer Must Die
(do disco New Skin for the Old Ceremony)



Leonard Cohen - New Skin for the Old Ceremony










01 - Is This What You Wanted
02 - Chelsea Hotel No.2
03 - Lover Lover Lover
04 - Field Commander Cohen
05 - Why Don't You Try
06 - There Is a War
07 - A Singer Must Die
08 - I Tried to Leave You
09 - Who by Fire
10 - Take this Longing
11 - Leaving Green Sleeves


Discografia:

The Songs of Leonard Cohen (1968) * * * * * √
Songs From a Room (1969) * * * * *
Songs of Love and Hate (1971) * * * * * √
Live Songs (1973) * * * *
New Skin for the Old Ceremony (1974) * * * * * √
Death of a Ladies' Man (1977) * * * *
Recent Songs (1979) * * * *
Various Positions (1985) * * *
I'm Your Man (1988) * * * * *
The Future (1992) * * * * *
Ten New Songs (2001) * * * *
Dear Heather (2004) * * * *
Book of Longing (2007) * * * *

√ - (Volume-11 pick)

sábado, 16 de agosto de 2008

I know what you have done!


Destacar qualidades musicais sem apelar para preciosismo é como fazer mímica. Por isso entendo a iniciativa de blogs que deixam a música falar por si, e disponibilizam downloads apenas. No entanto nosso entusiasmo às vezes não cabe apenas na audição, e precisamos criar uma linguagem para esgotá-lo.
Não me lembro agora a última banda inglesa que me impressionou, mas tenho a sensação que as últimas bandas que lá eclodiram depois do ano 2000 pareciam deliberadamente traduzir a retromania americana anos 70 para o sotaque britânico. Guitarras cruas de acordes cheios, a velha palhetada downstroke e a eterna invocação a juventude de Iggy, Reed, Weller, Bowie e companhia. Além do esforço óbvio ser cansativo, quando essas bandas encontram a própria voz a diversão inicial já caducou. Um quarto disco geralmente é o mais autêntico e ao mesmo tempo irreconhecível diante do primeiro, como aqueles transviados que encontram um caminho e não cumprimentam mais velhos amigos. É a diferença entre um disco que “arrasa na pista” e um disco que obriga o ouvinte a parar para ouvir. Os quatro discos do Elbow fazem parte da segunda categoria.
A primeira coisa que salta aos ouvidos é a magnífica voz de Guy Garvey. Mais ainda, ele sabe cantar e tem personalidade suficiente para dispensar essa banda de nome esquisito e seguir solo. Suas melodias são ricas e de estilo diversificado. Faz frente sem impostar a voz e lembra a fase final de Bowie. Se conseguimos nos desprender de sua força vocal e prestamos atenção aos instrumentos e produção, fica claro por que Garvey não se deixou levar ainda numa ego trip e partiu solo. É simples o suficiente para fazer inveja a qualquer banda de fim de semana, mas também sofisticado o bastante para dificultar uma performance ao vivo. Sabem criar belos fundos atmosféricos de microfonia, harmônicos, e uma variedade discreta de instrumentos. Aliás, esse é um show que eu pagaria caro para assistir sem incômodos de super lotação, vontade de ir ao banheiro, má companhia ou ruídos de má acústica. Seu último disco The Seldom Seen Kid é menos abstrato, mais acessível e faz pensar que rádio poderia ser uma invenção melhor aproveitada.
Eles não estão inventando moda nenhuma, porém conseguem ser uma das bandas mais inovadoras da atualidade, deixando-se levar por cada música, escutando o que elas pedem. Quanto mais atenção você lhes dedica mais elas lhe dão em retorno.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Não te quero submissa!

Alguns discos nos fazem pensar que se a história da música brasileira não seguiu outro rumo não foi por falta de bifurcações aventurosas, daquelas que nos levariam por estradas secretas e inexploradas, repleta de visões desconhecidas, cindindo a obra de um artista ou banda, como Sgt. Peppers, Their Satanic Majesties Request, Bringing it all back home, Tommy, para exasperação de fãs acomodados e do marketing de gravadoras.
No Brasil o rock foi sempre muito filtrado pela mídia, tratado com muita distância, em plena ditadura ou ainda sob seus efeitos (nem sempre degenerativos). Pois apesar de infernizarem a vida dos pobres subversivos com censura, exílio e tortura, proporcionaram o clima de contravenção muito saudável para arte. A tropicália soube desfrutar dessa perseguição, aproveitando-se a distância do exílio para intelectualizar e mistificar sua poesia, já que a jovem guarda, apesar de introduzir uma revolução sexual um pouco atrasada e inocente se comparada ao samba, não tinha o brio para para atiçar grandes mudanças de comportamento, algo maior do que lançar ídolos jovens. Roberto Carlos foi nosso Elvis sexual, e nosso Beatles musical, para acabar se tornando esse caquético ícone romântico.
Enquanto Roberto Carlos escalava os picos de audiência da Globo, à sua sombra, autor das composições mais importantes de uma parceria assimétrica, estava o ignorado mau-famado Erasmo Carlos.
Eu tive acesso à essa figura muito antes de compreender sua música, pois minha mãe, fã dedicada que era de Roberto, tinha todos os vinis, e quando pequeno, fuçando sua coleção descobrí o Carlos contra-imagem, podendo assim fazer contraponto a tietagem da minha mãe. Lá eu ia pela rua, com não mais que 5 anos, sol à pino, em calça de veludo branca dizendo ser o Tremendão da vizinhança. Porém, tirando essa fama de mau, eu não dei muita atenção à sua música até pouco tempo, especialmente à um disco, que foi descoberta estupefaciente: Carlos, Erasmo...
Um disco de rock nacional, que seja rock de verdade e nacional de fato, em sintonia com o tempo, é algo raríssimo no Brasil. E quando digo em sintonia, não se trata apenas de um pastiche bem sucedido, mas uma experimentação psicodélica sem clichês, contando com o hérculeo Lanny Gordin, um guitarrista visionário que talvez seja nosso Hendrix, fundindo rock e brasilidade de modo que apenas Pepeu e Lúcio Maia se equiparam, e aquela energia que se espera de um disco de rock setentista. Ele também teve como aliados os Mutantes Serginho, Liminha, Ronaldo, composições de Caetano (De noite na cama), Jorge Ben (Maria Joana), Marcos Valle (26 anos de vida normal, e Dois animais na selva suja da rua), e orquestra sob a a batuta de Rogério Duprat. Mesmo as parcerias com Roberto apontam para outra direção, tais como É preciso dar um jeito meu amigo, Ciça Cecília, Gente Aberta e a sombria Mundo Deserto (Vivo num mundo deserto de almas negras!).
Tive a chance de apreciar a letra de Não te quero santa na voz desafinada às alturas de uma noite inteira de gin tônica, cantada por uma bela amiga que se identificava lacrimejante com essa letra e ali ouví ecos de uma Revolução Sexual abafada.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

La belle lovechild of Brian Jones and Barbarella

"O homem é produto do meio" é um grande cliché, indo além, grandes Homens não se contentam com pouco e, freqüentemente, almejam vôos mais altos e fazem com que o meio seja produto deles.
Acredite, não há forma mais adequada que essa, não só pela asserção em si, mas também pela forma, para introduzir uma banda como POP WILL EAT ITSELF, a indomável cria cerebral do ainda mais feroz ex-punk nerd-rebelde e absolutamente estrepitoso e brilhante Clint Mansell, uma banda que soube conjugar com rara excelência suas influências para forjar algo que mudaria repentinamente a cena musical ao seu redor.
A melhor, entretanto não mais justa, maneira de descrever PWEI é como um amálgama de influências não só diversas como divergentes gestado no fervilhante cérebro de Mansell. A mais justa talvez fosse lhe conceder o cetro de um dos grupos mais orinais e seminais de seu período. Seu som é uma mistura lisérgica de Beastie Boys, Sigue Sigue Sputnik, Charles Bronson, Buzzcocks, Cicciolina e Atari, suas músicas são arroubos de amável pop em meio a teclados e idéias distorcidas ladeadas por infindáveis citações de filmes e tudo mais que germinou a cultura pop dos anos 80, o que faz deles algo como uma síntese traiçoeira e caricatural de tudo que representou e apresentou a década.
Batizando seu som com o indecifrável nome Grebo (e autoproclamando-se os Gurus do gênero), Clint Mansell e seu PWEI influenciaram imediatamente uma gangue de seguidores que iam desde bandas ainda mais marginais como Gaye Bikers on Acid à outras mais domesticadas como Ned's Atomic Dustbin, lançavam discos que continham tantas músicas bem humoradas, algo dançantes e contagiosas quanto continham citações de filmes. Suas batidas, reminiscênsias da incipiente cena eletrônica e precários videogames, conjugados ao hip-hop branco e guitarras ultra-processadas e erráticas frequentemente embalavam letras como:

"We dig TV, we dig remote control / We dig the Furry Freak Brothers and the Twilight Zone / We dig Marvel and D.C., we dig Run-DMC / We dig Renegade Soundwave and AC/DC.

Bruce Wayne auf wiedersehen / Dirty Harry, "Make my day", / Terminator, hit the north / Alan Moore knows the score / Riffs? Yeah! Can U dig it?

We dig Optimus Prime and not Galvatron / We dig "The Leader of the Pack" and "Da-Doo-Ron-Ron" / Spinderella and Bruce Lee, "The Good, the Bad and the Ugly" / "V for Vendetta" and "Into the Groovy" "

Em seus breves 7, 8 anos de existência PWEI passeou entre gêneros díspares com facilidade e falta de compromisso, seu som era algo como uma arca de Noé de estilos, influências e idéias. Terminaram sua breve existência com o mais direto e sóbrio Dos Dedos Mis Amigos, digressão algo bem sucedida, porém que, em retrospectiva, por se tratar de seu útlimo trabalho, deixa a sensação de não ser a conclusão mais cabível à uma história marcada por irreverências e constantes desafios.
Clint Mansell hoje em dia é um prolífico e bem sucedido compositor de trilhas sonoras, porém sua magnus opus ainda consiste em seu trabalhavo inimitável, irrepreensível, impetuoso e altamente inflamável como frontman do eternamente convulso e bem humorado (também algo profético) Pop Will Eat Itself.


Pop Will Eat Itself - Wise Up Sucker!
(do disco This is the Day... This is the Hour... This is this!)



Pop Will Eat Itself - Def. Con. One.
(do disco This is the Day...This is the Hour...This is this!)



Pop Will Eat Itself - Ich Bin ein Auslander
(do disco Dos Dedos Mis Amigos)



Pop Will Eat Itself - Can U Dig it?
(do disco This is the Day... This is the Hour... This is this!)




Discografia:

Box Frenzy (1987) * * * * *
This is the Day... This is the Hour... This is this! (1989) * * * * * √
Cure for Sanity (1991) * * * *
The Looks or the Lifestyle (1992) * * * *
Dos Dedos Mis Amigos * * * * *

Como tem passado? Como tem futuro?

No Brasil dos anos 70, quando imperava o tropicalismo, um rebelde zen que pensava alto demais para o tempo, desviou-se de todos os lugares comuns regionais, e com o coração tranqüilo e uma plácida e inspirada carreira chega até aqui. Sua música já alcançou paragens inimagináveis inspirando vanguardas para públicos nem nascidos. Sua aclamação silenciosa condiz com sua sobriedade musical, e sua modéstia é diretamente proporcional a seu gênio. É consolador pensar, nesses tempos de trevas, que um dia sua obra emergirá...
Reconhecemos algo de rock progressivo aqui e acolá, música oriental, música de ciranda, mantras concretistas, folk, fado, xaxado, mas no geral é simplesmente Música de altíssima qualidade. Consegue ser franco sem soar cafona, um mal que assola nossa tão negligenciada língua materna, e bicho-grilo sem soar boçal, um feito quase inédito.
Na estréia de 1973, Ou não, experimentou bravamente mesmo com produção pouco favorável. Já no seguinte, Revolver, ficamos pasmos do início ao fim, com a riqueza de ritmos, letras impactantes, modernidade dos arranjos e timbres. Em 1978 retorna pacífico, com arranjos mais orgânicos, letras transcendentais (faz bem se transformar num lindo blue...), campestres (bichos pastorela em triste sorriso), mantras indianos (Govinda), e a rodrigueana Criaturas. Vela aberta (1980) é seu disco de rock, ainda que as letras insistam na prática muito pouco roqueira da meditação (nada, no pensamento, tudo, no firmamento). Em 2001 regrava com uma sublime produção “sucessos” como Totem, Zen (com arranjos eletrônicos) e Quem puxa aos seus não degenera. É um show que ainda pode ser visto nos nossos dias, apesar de pouquíssimo divulgado.
Nós temos nossos gênios reconhecidos, espalhafatosos como Secos e Molhados e Ney Matogrosso (nosso Ziggy Stardust), os pioneiros Mutantes, os sem paralelos Novos Baianos, o camarada Jorge Ben, o visionário Raulzito, e por que não, o muito enfatizado Caetano. Mas tenho certeza que há uma vaga reservada ao honorável Walter franco no mirrado panteão da música popular brasileira.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

3 discos alemães



Sem medo de soar incrivelmente repetitivo, reitero: é provável que, ao longo da ainda jovem história do Rock, nenhum momento de sua incansável investida contra a moral e os bons costumes seja tão indevidamente ignoto quanto o Krautrock. Muito embora tal alcunha denote, hoje, um conjunto de alemães revolucionários, visionários e destemidos, quando foi cunhada tinha carácter pejorativo. Com isso em mente, entende-se porque, à época, bandas rechaçavam o termo. Pode-se afirmar que o fenômeno Krautrock é muito mais como o resto do mundo percebeu o que ocorria na fértil cena musical da Alemanha nesse período do que algo coletivo de um grupo criando música com objetivos comuns.
Interessante é que muitos dos Krauts, os mais relevantes principalmente, não soam nada um como o outro. Fato que sempre confunde incautos quando tenta-se exemplificar "O QUE É KRAUT", poucos vão além da frívola explicação básica que deixa mais perguntas que respostas.
Tendo suas raízes muito mais nas experimentações musicais e estruturais de Stockhausen e no Jazz do que no Rock 'n Roll e no Blues, o Kraut abriu as portas, adubou a imaginação das gerações subseqüentes, incorporou à linguagem do Rock elementos que, mais tarde, ajudariam a expandir os gêneros musicais até que se alcançasse a algazarra estilística em que se vive hoje.
Como em todo movimento, o Kraut possuí sua parcela de músicos emblemáticos, compositores lendários que, por onde passassem, faziam brotar novas idéias e ambições. Klaus Schulze, Hans-Joachim Roedelius, Holger Czukay, Irmin Schmidt, Conrad Schnitzler, Michael Rother, Klaus Dinger, Karl Bartos, Florian Schneider, Wolfgang Flür, Achim Reichel são apenas alguns dos nomes mais óbvios. Homens que com seus respectivos grupos, projetos, aventuras, desbravaram caminhos que tomariam, em breve, vida própria, e cujos efeitos seriam irreversíveis na música de hoje.
Entretanto, o brilhantismo de tal Zeitgeist não se limitava à alguns iluminados e diversos seguidores. Dos mais reconhecidos, como os acima, aos mais obscuros, a necessidade premente de invenções e originalidade era tão urgente quanto a simples vontade de fazer música. Grupos fantásticos gravavam discos de valor inestimável pra nunca mais ver a luz do Sol. Num dos grandes documentos sobre tal época, o livro Krautrocksampler, Julian Cope afirma que, perto da inventividade do Kraut, tudo que se fazia alhures era inútil. Embora seja certo exagero, algo bem natural à Cope, qualquer um, quando confrontado pela genialidade dos Krauts, gravitará em direção à concordância.
Tres bandas, entre 1972 e 73, lançariam 3 discos que, sozinhos, seriam como fontes subterrâneas de ilimitada matéria prima indispensável à criatividade e inovação. Verdadeiros lençóis freáticos de água fresca e límpida para o espírito.
Em 1972, escondidos em um velho bunker, os secretivos membros da banda GERMAN OAK gravam seu disco auto-intitulado. Suas músicas beiravam o absurdo, suas repetições incansáveis e algo rudimentares de ritmos e frases, marteladas com a sensibilidade de uma britadeira, funcionam como mantras nebulosos que invocam espíritos de velhos generais e chanceleres. Preconizam, sem se dar conta, o que mais tarde seria o industrial e nem mesmo se importam. Adotando os simples cognomes Caesar, Ulli, Harry, Warlock e Nobbi, os músicos utilizam, além das já citadas repetições, excertos de discursos de Hitler, emulam precariamente os sons de sirenes em ataques aéreos, recriam o clima opressor e assombrado de um bunker, vivendo os últimos dias da mais indelével história da Humanidade. É ao mesmo tempo assombroso, tentativo e arrepiante.
Com músicas levando títulos como Swastika Rising, The Third Reich, Raid Over Dusseldorf e 1945 Out of the Ashes, além da capa algo sugestiva, alguns podem se sentir tentados à conectar os músicos à um certo flerte com o Nacional Socialismo, porém, em suas notas escrevem: "Nós dedicamos este disco aos nossos parentes, que tiveram tempos difíceis durante a Segunda Guerra Mundial", deixando assim algo mais tranqüila a consciência do ouvinte mais sensível.
No mesmo ano, bem mais ao sul, cruzando a fronteira que separa a Áustria da Alemanha, um outro grupo mostrava que tal espírito aventuroso não era benefício único dos alemães. Clamando em suas letras frases ousadas como "o Papa está errado", PATERNOSTER lançava o que talvez seja o disco mais perturbador e denso do período. Um órgão soturno rompe o silêncio e uma voz grave, como a de um monge alcoolizado entoando um canto gregoriano no parapeito de uma janela prestes a tomar o último gole pontifica sobre Jesus Cristo. Três minutos depois a bateria surge, um solo de guitarra rompe apenas pra um minuto depois tudo repentinamente virar silêncio.
De recônditos sinistros da cinzenta Austria Franz Wippel canta em Stop These Lines:

“Morning peace dusty air / Clean your teeth and comb your hair
Dressed in clothes you always wear / Go to work I won’t be there
Lunchtime snackbar eating chips / Ketchup’s running down your lips
Deadeyed waiters selling bibs / Which you have to fix with clips
Sitting waiting find an end / Meaningless with no comment
Is this life in your own hand / People are like grains of sand”


Suas músicas gritam com o desespero fútil de um suicida arrependido enquanto vê a vida esvaindo-se pelos talhos em seus braços. É impossível não ouvir na voz lamuriante de Wippel, em retrospectiva, futuros vestígios do que seria David Thomas com seu Pere Ubu. O auto-intitulado álbum de Paternoster é um marco não apenas por mostrar que bom Kraut existia também fora da Alemanha, mas também por preconizar um gênero que, posteriormente, se tornaria um caricatura obscena de seus fundadores.
Já adentrando o ano 1973, uma outra banda, emprestando seu nome do folclore judaico, criava o seu próprio folclore, baseado em viagens espaciais, desventuras interplanetárias e missões estelares sem mesmo pronunciar uma palavra. GOLEM lançava, então, ORION AWAKES, um dos verdadeiros marcos fundamentais e inestimáveis da era negligenciada. Em suas parcas 5 músicas, todas instrumentais, Golem beira o fantástico, embrenha-se no portentoso, aloja-se no genial.
Orion Awakes é, sem sombra de dúvida, um dos álbums mais impressionantes de todo o Krautrock. Seja por sua produção inacreditavelmente à frente de seus pares ou simplesmente pela absurda qualidade contagiosa de suas músicas. É um álbum absolutamente obrigatório para qualquer fã, seja alguém já versado nos caminhos do Kraut ou um neófito.
Muito embora ainda seja possível, e quase mandatório, continuar elogiando a genialidade não proclamada desses grupos esquecidos, é momento de silenciar e deixar a música falar por si só.


German Oak - Swastika Rising
(do disco German Oak)



Paternoster - Stop These Lines
(do disco Paternoster)



Golem - The Returning
(do disco Orion Awakes)



German Oak - German Oak










01 - Swastika Rising
02 - The Third Reich
03 - Shadows of War
a) Rain of Destruction, b) V1 to London
04 - Airalert
05 - Down in the Bunker
06 - Raid Over Dusseldorf
07 - 1945 Out of the Ashes


Paternoster - Paternoster










01 - Paternoster
02 - Realization
03 - Stop These Lines
04 - Blind Children
05 - Old Danube
06 - The Pope Is Wrong
07 - Mammoth Opus O


Golem - Orion Awakes










01 - Orion Awakes
02 - Stellar Lunch
03 - Godhead Dance - Signal/Noise/Rebirth
04 - Jupiter and Beyond
05 - The Returning



Discografias:

• German Oak
German Oak (1972) * * * * * √
Niebelungenlied (1976) * * *

• Paternoster
Paternoster (1972) * * * * * √

• Golem
Orion Awakes (1973) * * * * * √

√ - (Volume-11 pick)

Built to spill what?

Imaginem como era a vida dos roqueiros de Brasília nos anos 80, esses mesmos que hoje são o legado do rock brasileiro (Legião Urbana, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Plebe Rude), antes do liberalismo do mp3. Um séquito muito especial de consumidores e fãs era encarregado de selecionar e distribuir os vinis para o populacho: os filhos de diplomata, ou como chamam as más línguas, Diplobrats. Pois estes conaisseurs traziam das fontes em tempo real as novidades musicais que seriam coqueluche nas festinhas ilícitas de Brasília.
Nesta que já é uma cidade arquitetonicamente planejada para a alienação, os desenganados mártires da diplomacia brasileira, embora desfrutem de todo o glamour do poliglotismo, riqueza, senso de estilo e cosmopolitismo, são eternos adolescentes cuja única referência mais ou menos fixa de identidade é o consultório do psiquiatra local e a língua universal dos psicofármacos. Se hoje em Brasília não temos a mesma efervescência daqueles tempos isso é culpa de nossa estultice e não da falta de acesso. Mas os Diplobrats, em sua maioria, cumpriram sua função descobrindo novidades, geralmente bandas independentes, e repassando para os pobres provincianos.
É assim que me lembro de ter descoberto BUILT TO SPILL, há uns 10 anos atrás, num desses turbulentos namoros de duas semanas. Ela era do tipo que invadia festas de família, bebia, comia e se passava por alguma sobrinha querida e distante da dona da casa sem o menor constrangimento. Porém, também era daquelas que num ataque de solidão te acorda no meio da madrugada em prantos inconsoláveis e indecifráveis. Me expulsava de sua casa e depois ameaçava suicidar-se se eu não voltasse. Nem um dia inteiro se passou depois de terminarmos até ela arrumar outro namorado desavisado. Mas tenho que admitir, se não fosse a música ela não seria ninguém. E ela tinha bom gosto.
O indie rock acabou reunindo sob o estandarte do escapismo uma parcela da juventude que realmente não se importa. Narcisismo, alienação, alucinações, ufologia, hedonismo, e toda sorte de banalidades que fizer cócegas na mente superestimulada da juventude desperdiçada é bem-vinda para consolidar essa estética do vazio.
Built to Spill é uma banda emblemática tanto pelo fato de ser pioneira, e de ser uma banda realmente independente, quanto pela sonoridade rica em texturas, camadas, que preencherão inúmeras tardes de experimentos químicos no apartamento. Melodias para embalar as mãos dadas de casais acidentais, e durante a maioria do tempo, letras confortavelmente esvaziadas de grandes significados. Não te carregam para muito longe, onde se poderia ter preguiça de voltar. O diferencial que a faz merecer a linha de frente do rock alternativo, além da voz convicta de Doug Martsch, que apesar de alcançar apenas uma oitava é daquelas da qual não se enjoa nunca, é o que realmente importa nesse “gênero”: as guitarras, sempre no plural. O estilo próprio, muito próprio de Doug, e composições grandiosas, sem economia de partes, solos inesquecíveis, timbres sempre muito bem forjados.
KEEP IT LIKE A SECRET ocupa facilmente o lugar entre os 5 melhores discos de rock alternativo de todos os tempos, daqueles em que pular uma faixa sequer é um pecado.
A fatuidade que as letras sugerem aqui é um elemento estético não por que impõem intencionalmente isso a juventude, mas por que isso é constituinte dela.

Finally I don't mind
Worthless tries at finding something else
Best not talk too loud
You're not as smart as you require of them
Your body breaks
Your needs consume you forever
And with this lied the need to be here together
Funny thing with blood
Try to stand but neither leg is awake
Just this side of love
Is where you'll find the confidence not to continue

Letra de Else, do disco Keep it like a secret

Levante Sua Cabeça, Brett...


1998 foi um ano ruim. E nem mesmo me refiro à Copa do Mundo.
Viu-se nesse período algumas das bandas mais importantes das últimas décadas encerrando suas atividades de forma melancólica, enquanto algumas das futuras bandas medíocres das décadas seguintes começavam a lançar sua falta de talento sobre a humanidade incauta.
Enquanto reais inovadores como Faith No More penduravam as guitarras, Coldplay levantava sua feia cabeça. No mesmo momento em que Refused desbandava, algo como 30 Seconds to Mars ganhava as ondas de rádio. Ao som triste do desplugar da guitarra de Paige Hamilton e seu Helmet foi ouvido o primeiro acorde de Interpol e quando Jesus and Mary Chain batia seu cartão, a pretensa salvação do rock, Strokes, clamava por atenção e elogios descabidos.
Resumindo, enquanto perdíamos bandas definidoras de gêneros, grupos pioneiros que, com suas próprias mãos, guitarras, baterias e gargantas, forjaram praticamente sozinhos os caminhos das próximas décadas na música, "ganhavamos" os genuínos Nada, bandas insossas, inócuas, insignificantes e inofensivas.
Em 1998 a MTV e o rádio eram dominados impiedosamente pelas mesmas coisas que sempre foram, não havia nada de novo e, irremediavelmente, quando se sintonizava o canal ou o rádio, o que se ouvia era o "hit do momento", Steven Tyler insistia que não queria perder nada, e o que era perdido era a paciência de quem queria algo bom, interessante, instigante, e não as mesmas ladainhas maçantes e sonolentas.
Nesse ano o mundo indie festejava à toda um dos poucos álbuns levemente interessantes do ano, Without You I'm Nothing, e a androginia pré-fabricada de Brian Molko e o restante dos membros do Placebo. Festejavam, com suas golas rolês e cérebros puídos, suas boinas e idéias mofadas, mais um lançamento insípido de Belle and Sebastian e, para encerrar minha diatribe contra tão nefasto período, os Backstreet Boys e Britney Spears influenciavam gerações de pré-adolescentes a... bem... absolutamente nada.
Porém, e, felizmente, quase sempre há um porém, uma banda, longe dos radares dos formadores de opinião do populacho, trilhava silenciosamente, à sombra de outros grupos mais populares de sua própria cidade, um caminho tanto quanto peculiar e estava por lançar o que seria seu terceiro e mais empolgante disco. No dia 5 de maio de 1998, enquanto eu e você provavelmente não faziamos nada importante, Brett Netson (guitarra e vocal) lançava com seu CAUSTIC RESIN o definitivo e soberbo álbum entitulado THE MEDICINE IS ALL GONE.
O disco consiste em 13 músicas como você nunca ouviu. As guitarras de Netson soam poderosas, como se emanassem de profundezas subterrâneas e alcançassem ouvidos que, de grandes altitudes, querenam rumo ao intransponível solo (pun intended). Sua voz é urgente, suas melodias, 'antêmicas' e confortáveis. Apesar da agressão iminente em todas as faixas, há um caráter sublime, conspícuo e avigorante em suas músicas, que são passíveis de audições repetidas sem o menor traço de agastamento.
É de fato um crime, porém nada surpreendente, que, em ano marcado por tudo que fora citado, um trabalho magnânimo de tal calibre tenha passado despercebido. Brett Netson merece por esse disco, e não apenas por ele, todas as congratulações e benefícios de verdadeiros monstros do rock, embora, é certo, tenha recebido apenas uns tapinhas nas costas.
C'est la vie.


Caustic Resin - Hate in Your...
(do disco The Medicine is All Gone)



Caustic Resin - Once and Only
(do disco The Medicine is All Gone)



Caustic Resin - People Fall Down



Caustic Resin - Mysteries of...
(do disco The Medicine is All Gone)



Caustic Resin - Hold Your Head Up
(do disco The Medicine is All Gone)




Caustic Resin - The Medicine is All Gone










01 - Cable
02 - Niacin
03 - Hate in Your...
04 - Once and Only
05 - Dripping
06 - Half Step
07 - Salamander
08 - Man From Michigan
09 - You Lie
10 - Station
11 - Mysteries of...
12 - Hold Your Head Up
13 - Enough


Discografia:

Body Love Body Hate (1993) * * *
Fly Me to the Moon (1995) * * * *
The Medicine is All Gone (1998) * * * * * √
Trick Question (1999) * * * *
The Afterbirth (2000) * * * *
Keep On Truckin' (2003) * * * * * √

√ - (Volume-11 pick)

domingo, 3 de agosto de 2008

My, my, hey hey... Rock 'n roll is here to stay...


Eu passei a vida respondendo sem titubear quando me lançavam a insólita e irrespondível pergunta: "Qual sua banda favorita?" Nunca houve dúvida nem porém... eu respondia que eram os Beatles e pouco restava a discutir. De fato, cresci ouvindo Beatles, e quando digo cresci significa que ouvia o Fab Four quando tinha 2, 3 anos, minhas primeiras lembranças, que datam mais ou menos desse período, são absolutamente todas ligadas aos Quatro, a voz do John sempre soou aos meus ouvidos como a de um amigo que nunca de fato tive. Sempre soube todas as letras de cor e sempre cantava empolgado quando os ouvia, sem me importar com o quão desafinado sou. Beatles marcou minha infância, quando eu ficava deitado na minha cama, no quarto que dividia com minha irmã, cantando, num inglês inexistente imagino agora, mas que soava perfeito à época, Penny Lane, Here Comes the Sun e tantas outras, até a hora em que dormia. Certamente sonhava com os Quatro. Eles marcaram também toda minha juventude pois tive a sorte de morar num edifício onde todos meus colegas e amigos também eram fanáticos pela banda. Os Beatles marcaram a minha primeira paixãozinha boba e frustrada de adolescente, quando um amigo tocava nas rodinhas de violão, em surdina, uma música específica que haviamos combinado ser perfeita para minha pequena história.
Enfim, posso mapear meu crescimento à partir de qual disco era meu favorito em certo período e perceber, assim, meu amadurecimento e notar que, à medida que crescia, minha compreensão musical mutava, evoluia, se refinava. I've Got a Feeling, que era impossível aos meus ouvidos de criança, tornava-se uma das prediletas enquanto With the Beatles, o favorito de minha infância, perdia espaço para Let it Be e Abbey Road.
No decurso do tempo conheci inúmeras outras bandas, me apaixonei por diferentes estilos e gêneros, tive minhas bandas prediletas de momentos distintos, porém Eles ainda continuavam Hors Concours, os indisputados donos do trono de Banda da Minha Vida.
Se faço preâmbulo tão extenso e me demoro em explicar de forma tão prolixa e talvez entediante para o pobre leitor minha eterna história com os Beatles é só para dar a dimensão exata do que senti quando, pela primeira vez, já beirando os 30, ouvi uma outra banda, um artista, que me balançou de tal forma que nem mesmo os Quatro permaneceram incólumes, algo que sempre julguei inimaginável.
O dia 12 de novembro de 1945, em Ontário, no Canadá, deve ter sido um dia de Sol, leve brisa agradável e pássaros voando, um dia bonito como poucos são. Nesse dia nascia uma criança e seus pais o batizariam com o extenso nome de Neil Percival Kenneth Robert Ragland Young e esse bebê nasceria para ser um dos artistas mais completos, talentosos, sensíveis, influentes e importantes do resto da História.
Sobre os anos de sua juventude, embora sejam certamente importantes pro desenvolver do artista, pouco posso falar, certo é que, em algum momento, o jovem Neil percebeu que, se almejava notoriedade, além de músicas excelentes, o que sempre fluiu naturalmente em suas veias, alem de migrar para o sul, ele precisaria de um nome ligeiramente mais curto e assim escolheu aquele que ficaria escrito para sempre na história: NEIL YOUNG.
Diferente da minha história com os Beatles, consigo precisar exatamente qual foi a primeira música de Neil que ouvi, lembro exatamente minha reação, o quanto me maravilhava a cada segundo de Southern Man, como seu solo delirante em puro estado de frenesi me fazia querer tocar todas guitarras do mundo, como me empolgavam suas mudanças de tempo, ora mais cadenciado, ora totalmente desenfreado e impiedoso. E quando a música acabou eu só queria ouvi-la de novo, e de novo, e de novo. Eu queria todos os discos, todas as músicas, tudo, e repentinamente pesava agora sobre mim o medo do destino, esse pândego, ter me jogado nas mãos o que Neil Young havia feito de melhor e tudo agora fosse comedida, mas real decepção, era difícil imaginar que alguém que tenha gravado AQUILO fosse capaz de fazer música ruim, mas mesmo ele conseguiria fazer algo melhor que Southern Man?
Aos poucos meus downloads foram chegando e eu fui adentrando um recanto tão magnífico que dali não queria sair jamais, não me incomodaria se pra sempre eu só ouvisse Neil Young, ao contrário, era o que eu desejava, e todo passeio de carro, viagem, caminhada com o cachorro, namoro, tudo, era ao som do 'velhinho'. O que eu ouvia e ia aos poucos conhecendo de Neil Young teve o poder improvável de me fazer até mesmo recobrar parte de minha fé perdida na Humanidade, tamanho esplendor não poderia ser em vão.
De Southern Man fui para Heart of Gold. Dela fui para Look Out for My Love, e daí para Music Arcade, e quanto mais ouvia, mais fundos em meu espírito estavam cravadas as garras daquelas músicas impressionantes. Descobrir cada uma daquelas preciosidades era como encontrar um diamante em um lamaçal, como posso ter permanecido tanto tempo alheio à algo tão extraordinário?
Hoje, alguns anos e 44 discos depois, posso dizer tranquilamente que, se Neil Young não chegou a derrubar os Beatles de seu trono, pelo menos forçou-os a transformá-lo, o trono, em algo mais espaçoso, que coubesse um velho caipira canadense, pois, definitivamente, ele havia chegado para ficar. Muito melhor que escrever tudo isso e dar exemplos irrefutáveis de sua qualidade, importância e influência, já que ninguém lerá até aqui, seria apenas colocar algumas músicas, escrever Neil Young em letras garrafais e deixar o bom senso em cada um de vocês fazer o resto, mas não me contento! Eu tenho que dizer quão sobrenaturalmente extraordinárias são suas letras, sua frágil voz, seus notáveis arranjos, seus solos indomáveis, seus calmos e diáfanos violões.
Desde seus discos country até seus momentos do mais puro e nobre rock n' roll, Neil consegue injetar tanta vida no que faz, ser tão honesto, que é impossível permanecer impassível e é igualmente difícil escolher entre um ou outro disco para recomendar sem ser injusto com todos os outros, logo, darei a vocês o conselho mais precioso que alguém já lhes ofereceu e nem mesmo cobrarei nada em troca: OUÇAM NEIL YOUNG. AGORA.
Sim, é melhor começar já, a vida é muito curta pra tanta beleza.


Neil Young - Southern Man
(do disco After the Goldrush)



Neil Young - Music Arcade



Neil Young - Big Green Country



Neil Young - Trans Am
(do disco Sleeps With Angels)



Neil Young - Driveby
(do disco Sleeps With Angels)




Discografia:

Neil Young (1969) * * * * *
Everybody Knows this is Nowhere (1969) * * * * *
After the Goldrush (1970) * * * * * √
Harvest (1972) * * * * *√
Time Fades Away (1973) * * * *
On the Beach (1974) * * * * * √
Tonight's the Night (1975) * * * * *
Zuma (1975) * * * * * √
Long May You Run (1976) * * *
American Stars 'n Bars (1977) * * *
Comes a Time (1978) * * * * * √
Rust Never Sleeps (1979) * * * * * √
Live Rust (1979) * * * *
Where the Buffalo Roam (1980) * * *
Hawks and Doves (1980) * * * *
Re-ac-tor (1981) * * *
Trans (1983) * * * *
Everybody's Rockin' (1983) * *
Old Ways (1985) * * *
Landing on Water (1986) * *
Life (1987) * * *
This Note's for You (1988) * * *
Freedom (1989) * * * * *
Ragged Glory (1999) * * * * *
Arc-Weld (1991) * * * * *
Harvest Moon (1992) * * * * * √
Unplugged (1993) * * * *
Sleeps With Angels (1994) * * * * * √
Mirror Ball (1995) * * * * *
Dead Man (1996) * * * *
Broken Arrow (1996) * * * * *
Year of the Horse (1997) * * * *
Silver & Gold (2000) * * * *
Are You Passionate? (2002) * * *
Greendale (2003) * * * *
Prairie Wind (2005) * * * *
Living With War (2006) * * * * *
Live at Fillmore East (2006) * * * * *
Live at Massey Hall (2007) * * * * *
Chrome Dreams II (2007) * * * * *

√ - (Volume-11 pick)

sábado, 2 de agosto de 2008

A eternidade de Loveless

A intimidade de um fã às vezes é mais interessante do que a vida de um mega rock star. Gênio da informática de dia, volta de ônibus para a residência no setor econômico do bairro mais pequeno burguês da cidade (nas suas solenes palavras), coloca uma lasanha congelada no micro-ondas, explode um espumante barato, e se acomoda para mais uma audição de Wagner, que lhe tomará as três ou quatro horas que o seu digno trabalho diurno não lhe roubou. Nos tão aguardados fins de semana, entrega-se à leitura de clássicos da literatura e biografias de maestros, às delícias do sexo pago, e à reflexões misantrópicas em roupa de baixo. Tive a honra de conquistar a simpatia desse ermitão, e ser bem-vindo em seu cativeiro olímpico, desde que levasse a garrafa de espumante. Essa foi minha companhia favorita durante muito tempo, ficávamos horas sem trocar palavra entre sua coleção de vinis, exclusivamente de música clássica e moderna. Mas eis que um dia me deparo com um corpo estranho ali, Loveless do My bloody valentine. Sim, depois de Debussy e Stravinsky, estava lá, com toda altivez de quem encara o sapato, essa pérola dos anos 90.
Levei muito tempo para fazer sentido daquele achado, tão deslocado no discurso sempre coerente daquele velho jovem rabugento. E não foi reconhecendo alguma coisa de seus compositores e maestros favoritos em my bloody valentine, mas apenas me contentando com o fato de que essa banda, especialmente neste disco, criou algo realmente inclassificável, deslocado em qualquer coleção musical, que poderia agradar à qualquer pessoa, excêntrico ou não, provido ou não de gosto ou educação musical.
Se iniciaram um estilo novo foi porque cabisbaixos ali, manipulando uma dúzia de pedais de efeitos, encaravam muito além do aparato no chão, vislumbrando uma dimensão sonora totalmente inexplorada pela psicodelia caricata das três décadas anteriores. A música aqui transcende os instrumentos individuais, como se eles fossem apenas vestígio, de algo que já tomou uma forma mais etérea, e se mesclou numa bruma impressionista. A androginia da voz, e as letras simples e enigmáticas como haikus, fazem da música algo inumano, um oráculo de ruído, a essência barulhenta de um mundo que não precisa de nós para existir.
Fiquei feliz por termos uma opção diferente para ouvir nas nossas tardes de espumante. O disco de duração muito menor parecia parar o tempo. Faixas como touched, de 57 segundos, poderiam durar uma eternidade. E eu nem imaginava que meu amigo em muito breve encontraria uma parceira que o colocaria na linha, e dentro de alguns dias eles se casariam, mudariam de cidade, teriam um filho e nunca mais dariam notícias. O disco permanece.

You are not forgotten!


Thrash Metal, a subdivisão maldita do metal, responsável por assassinatos e suicídios, por pactos com o demônio e pela descrença em Cristo.

Mas, para mim, ouvir Thrash sempre foi como entrar num túnel do tempo. Volto ao prédio onde viví a melhor época da minha vida, volto à minha infância, lembro dos meus dias intermináveis jogando bola com os amigos ou brincando de Cabra-Cega com as namoradinhas.
Graças ao meu irmão mais velho, ele, quando adolescente, foi um metaleiro de carteirinha que, sem querer querendo, com o volume sempre no máximo, fez com que Metallica, Anthrax, Slayer, Megadeth e Pantera fossem o constante fundo musical daquele paraíso, agora, perdido.

Quando soube do assassinato de Dimebag Darrell, transpasse indigno que aconteceu em cima de um palco em Columbus, Ohio, 2004, durante uma apresentação de sua banda, Damageplan, fui acometido pela sensação de perda de um parente próximo, alguém que era meu sustentáculo tanto nos momentos penosos quanto nos burlescos, o espírito guia responsável pelo que hoje sou; um pervertido, porém de boa índole, um verdadeiro doce de pessoa que aprecia posições sexuais heterodoxas, bebidas alcoólicas e ensejos lascivos.

Dimebag criou, com o Pantera, a manifestação cabal dos sentimentos nobres de um homem, sua Washburn moldou personalidades, recriou, fez com que meninos inseguros virassem homens altivos. Se Mitologia não fosse apenas, como o próprio nome diz, um aglomerado de lendas, eu acreditaria que Dime foi, assim como Hércules, um herói etéreo, cujo labor era mais árduo do que todos os trabalhos do filho de Zeus juntos em um só, varrer do mundo os cagarolas inveterados.

E quase ao fim de sua odisséia, no debrum dos anos 90, a menos de uma década de sua ascensão ao panteão das deidades do metal, Darrell, acercado de seu inerente irmão Vinnie Paul e amigo Rex Brown, cruzou caminho com David Allan Coe, um prístino caipira que manteve florescente a alma selvagem que o levou a viver o apogeu de sua mocidade capturado e enjaulado (na Ohio State Penitentiary) e, quando liberto, o transformou num diabo insigne do Country marginal no decorrer dos anos 70.

Encontro epopéico que deu luz a um único album que, toda vez que escuto, declara o fenecimento do marasmo e resulta num aumento significativo na produção de testosterona, que, como doses choradas de Whisky, me converte em um desbravador de mulherames nunca antes aventurados. Dime, como sempre, nos brinda com seu feeling decantador e agressividade sulista, enquanto David, com dicção folclórica de rancheiro, nos narra as peculiaridades e extravagâncias de um apóstata.

Uma supernova de virilidade e honradez esplêndida, oportunamente nomeada REBEL MEETS REBEL.




Rebel Meets Rebel - Nothin' To Lose




Rebel Meets Rebel - Heart Worn Highway




Rebel Meets Rebel - Cowboys Do More Dope





Rebel Meets Rebel * * * * * √









01 - Nothin' To Lose
02 - Rebel Meets Rebel
03 - Cowboys Do More Dope
04 - Panfilo
05 - Heart Worn Highway
06 - One Nite Stands
07 - Arizona Rivers
08 - Get Outta My Life
09 - Cherokee Cry
10 - Time
11 - No Compromise
12 - N.Y.C. Streets

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Long Journey Into Light

Antes de gravações caseiras se tornarem algo corriqueiro e facilitadas pelo advento de equipamentos acessíveis, enquanto tais modos de produção ainda permaneciam relegados a poucos músicos que a eles recorriam mais por necessidade do que opção estética, Nick Saloman começaria sua solitária e prolífica aventura em lo-fi chamada BEVIS FROND, ajudando a constituir o ethos que influenciaria toda uma geração de músicos e aspirantes à futuras estrelas adolescentes.
Em uma carreira marcada por anacronismos e 23 álbuns em cerca de 15 anos de gravações, Nick Saloman e seu Bevis Frond desfrutaram de diversos altos e alguns baixos, porém, em seus melhores momentos, gritando a sediciosa psicodelia esquecida e soterrada sob a década reinada pelo anódino Rádio, o que Nick Saloman produz é de tamanha qualidade, visão, inspiração e audácia que releva um ou outro possível deslize ou simples excesso de auto-indulgência. A traiçoeira simplicidade pop de A Gathering of Fronds, a ainda mais óbvia reverência ao rock setentista, ao mesmo tempo anacrônica e original, de Son of Walter e sua excepcional 'reinvenção' em seu mais recente trabalho, Hit Squad, fornecem, sozinhos, material suficiente para meses de apreciação.
Muito embora diversas bandas tenham seguido o caminho que Bevis Frond ajudou a pavimentar, difícil pensar em uma que alcance semelhante nível de brilhantismo e proficiência já que muitas vezes a 'etiqueta' lo-fi está intrinsecamente ligada à algumas pechas, como falta de técnica e comprometimento. Apesar da qualidade rudimentar das gravações, a entrega abnegada de Nick em cada uma de suas músicas é tocante, o que é notório no extremo feeling de cada um de seus quilométricos solos (sim, solos!), o compromisso de Saloman com a qualidade de suas músicas é óbvio e confortante, sobretudo numa era onde preocupações de tal natureza são tão raras de se ver.


Bevis Frond - Requiem
(do disco Son of Walter)


Discografia:

Inner Marshland (1987) * * *
Miasma (1987) * * * *
Auntie Winnie Album (1988) * * *
Bevis Through the Looking Glass (1988) * *
Tryptych (1988) * * * *
Any Gas Faster (1990) * * * *
Ear Song (1990) * *
Magic Eye (1990) * * * *
New River Head (1991) * * * *
A Gathering of Fronds (1992) * * * * √
It Just Is (1993) * * * *
London Stone (1993) * * *
Superseeder (1995) * * * *
Son of Walter (1996) * * * * * √
North Circular (1997) * * *
Vavona Burr (1999) * * * *
Live at the Great American Music Hall, San Francisco (1999) * * * *
Sprawl (1999) * * * *
Valedictory Songs (2000) * * * *
What Did for the Dinosaurs (2002) * * * *
Hit Squad (2004) * * * *

√ - (Volume-11 pick)

Bad Brains e o rock para a luz

Algumas coisas devem estar claras antes de se falar de Bad Brains. Primeiro que sua versatilidade expandiu astronomicamente as possibilidades do Punk Rock. Segundo que suas mensagens Rastafari em nada diminuem seu valor, e de alguma estranha forma, talvez sua genialidade esteja diretamente relacionada com a religião. Pois além de criatividade e talento, a total entrega emocional é gritante, tanto na velocidade do punk , quanto no clamor do reggae.
Opondo-se forma e conteúdo, se isso é possível, teríamos de um lado uma intensidade desmedida de paixão a serviço de uma crença versus um conteúdo ideológico altamente questionável. E Talvez nisso resida sua força, de tal forma arrebatadora, que suspenda nosso julgamento crítico a ponto de quase nos entregarmos a esse culto anacrônico. Não que as mensagens sejam tão pavorosas assim, afinal de contas, disseminam o amor, o orgulho da resistência, e uma perspectiva de fé revolucionária para a juventude. Se no momento seguinte H.R. desce do palco e racha o cocoruto de um skinhead com o pedestal do microfone, desmistificando a figura do profeta, ainda assim, quando ele canta, extraindo um sentimento sagrado até o último fôlego, atropelando as palavras, evocando a bíblia e Haile Selassie I, ele se redime.
As pessoas podem apaixonar-se por Bad Brains por várias razões: Dr. Know criou um estilo tão próprio e inimitável de guitarra, do timbre esganiçado a composição (pausas, contratempos, solos), que nutriu por anos o harcore nova iorquino, e qualquer fusão que se faça com música negra. A velocidade sem precedente de Rock for light e a complexidade do Rise, demonstram a evolução extraordinária de uma banda predestinada. A estridência, o fôlego e as melodias de H.R. fazem dele um dos vocalista mais inspirados e passionais da música, não só do punk rock. E Darryl Jennifer, provavelmente o grande e discreto gênio, Pulsando no baixo, por trás das composições e das influências, imprimiu um groove contagiante ao Bad Brains.
Mas destacar tecnicalidades não faz jus ao poder que sua música contém, nem a grande qualidade que os torna únicos e imprescindíveis na história da música, que é o sentimento, esta tão vaga e tão rara característica, indissociável de sua devoção religiosa. Então aleluia! Jah rastafari Haile Selassie I!
Discografia:

Black Dots (1978, lançado apenas em 1996)
Bad Brains (1982, ROIR Records)
The Omega Sessions (1983)
Rock For Light (1983, PVC Records)
I Against I (1986, SST Records)
Spiritual Electricity (1988, Bad Brains Records)
The Youth Are Getting Restless (1987, SST Records, lançado em 1990)
Live (1988, SST Records)
Quickness (1989, Caroline Records)
Rise (1993, Epic Records)
God of Love (1995, Maverick Records)
A Bad Brains Reunion Live from Maritime Hall (1999, SST Records)
I And I Survived (2003, DC Records)
Banned In D.C:The Greatest Riffs (2005, DC Records)
Build A Nation (2007, Megaforce Records)