quarta-feira, 6 de agosto de 2008

3 discos alemães



Sem medo de soar incrivelmente repetitivo, reitero: é provável que, ao longo da ainda jovem história do Rock, nenhum momento de sua incansável investida contra a moral e os bons costumes seja tão indevidamente ignoto quanto o Krautrock. Muito embora tal alcunha denote, hoje, um conjunto de alemães revolucionários, visionários e destemidos, quando foi cunhada tinha carácter pejorativo. Com isso em mente, entende-se porque, à época, bandas rechaçavam o termo. Pode-se afirmar que o fenômeno Krautrock é muito mais como o resto do mundo percebeu o que ocorria na fértil cena musical da Alemanha nesse período do que algo coletivo de um grupo criando música com objetivos comuns.
Interessante é que muitos dos Krauts, os mais relevantes principalmente, não soam nada um como o outro. Fato que sempre confunde incautos quando tenta-se exemplificar "O QUE É KRAUT", poucos vão além da frívola explicação básica que deixa mais perguntas que respostas.
Tendo suas raízes muito mais nas experimentações musicais e estruturais de Stockhausen e no Jazz do que no Rock 'n Roll e no Blues, o Kraut abriu as portas, adubou a imaginação das gerações subseqüentes, incorporou à linguagem do Rock elementos que, mais tarde, ajudariam a expandir os gêneros musicais até que se alcançasse a algazarra estilística em que se vive hoje.
Como em todo movimento, o Kraut possuí sua parcela de músicos emblemáticos, compositores lendários que, por onde passassem, faziam brotar novas idéias e ambições. Klaus Schulze, Hans-Joachim Roedelius, Holger Czukay, Irmin Schmidt, Conrad Schnitzler, Michael Rother, Klaus Dinger, Karl Bartos, Florian Schneider, Wolfgang Flür, Achim Reichel são apenas alguns dos nomes mais óbvios. Homens que com seus respectivos grupos, projetos, aventuras, desbravaram caminhos que tomariam, em breve, vida própria, e cujos efeitos seriam irreversíveis na música de hoje.
Entretanto, o brilhantismo de tal Zeitgeist não se limitava à alguns iluminados e diversos seguidores. Dos mais reconhecidos, como os acima, aos mais obscuros, a necessidade premente de invenções e originalidade era tão urgente quanto a simples vontade de fazer música. Grupos fantásticos gravavam discos de valor inestimável pra nunca mais ver a luz do Sol. Num dos grandes documentos sobre tal época, o livro Krautrocksampler, Julian Cope afirma que, perto da inventividade do Kraut, tudo que se fazia alhures era inútil. Embora seja certo exagero, algo bem natural à Cope, qualquer um, quando confrontado pela genialidade dos Krauts, gravitará em direção à concordância.
Tres bandas, entre 1972 e 73, lançariam 3 discos que, sozinhos, seriam como fontes subterrâneas de ilimitada matéria prima indispensável à criatividade e inovação. Verdadeiros lençóis freáticos de água fresca e límpida para o espírito.
Em 1972, escondidos em um velho bunker, os secretivos membros da banda GERMAN OAK gravam seu disco auto-intitulado. Suas músicas beiravam o absurdo, suas repetições incansáveis e algo rudimentares de ritmos e frases, marteladas com a sensibilidade de uma britadeira, funcionam como mantras nebulosos que invocam espíritos de velhos generais e chanceleres. Preconizam, sem se dar conta, o que mais tarde seria o industrial e nem mesmo se importam. Adotando os simples cognomes Caesar, Ulli, Harry, Warlock e Nobbi, os músicos utilizam, além das já citadas repetições, excertos de discursos de Hitler, emulam precariamente os sons de sirenes em ataques aéreos, recriam o clima opressor e assombrado de um bunker, vivendo os últimos dias da mais indelével história da Humanidade. É ao mesmo tempo assombroso, tentativo e arrepiante.
Com músicas levando títulos como Swastika Rising, The Third Reich, Raid Over Dusseldorf e 1945 Out of the Ashes, além da capa algo sugestiva, alguns podem se sentir tentados à conectar os músicos à um certo flerte com o Nacional Socialismo, porém, em suas notas escrevem: "Nós dedicamos este disco aos nossos parentes, que tiveram tempos difíceis durante a Segunda Guerra Mundial", deixando assim algo mais tranqüila a consciência do ouvinte mais sensível.
No mesmo ano, bem mais ao sul, cruzando a fronteira que separa a Áustria da Alemanha, um outro grupo mostrava que tal espírito aventuroso não era benefício único dos alemães. Clamando em suas letras frases ousadas como "o Papa está errado", PATERNOSTER lançava o que talvez seja o disco mais perturbador e denso do período. Um órgão soturno rompe o silêncio e uma voz grave, como a de um monge alcoolizado entoando um canto gregoriano no parapeito de uma janela prestes a tomar o último gole pontifica sobre Jesus Cristo. Três minutos depois a bateria surge, um solo de guitarra rompe apenas pra um minuto depois tudo repentinamente virar silêncio.
De recônditos sinistros da cinzenta Austria Franz Wippel canta em Stop These Lines:

“Morning peace dusty air / Clean your teeth and comb your hair
Dressed in clothes you always wear / Go to work I won’t be there
Lunchtime snackbar eating chips / Ketchup’s running down your lips
Deadeyed waiters selling bibs / Which you have to fix with clips
Sitting waiting find an end / Meaningless with no comment
Is this life in your own hand / People are like grains of sand”


Suas músicas gritam com o desespero fútil de um suicida arrependido enquanto vê a vida esvaindo-se pelos talhos em seus braços. É impossível não ouvir na voz lamuriante de Wippel, em retrospectiva, futuros vestígios do que seria David Thomas com seu Pere Ubu. O auto-intitulado álbum de Paternoster é um marco não apenas por mostrar que bom Kraut existia também fora da Alemanha, mas também por preconizar um gênero que, posteriormente, se tornaria um caricatura obscena de seus fundadores.
Já adentrando o ano 1973, uma outra banda, emprestando seu nome do folclore judaico, criava o seu próprio folclore, baseado em viagens espaciais, desventuras interplanetárias e missões estelares sem mesmo pronunciar uma palavra. GOLEM lançava, então, ORION AWAKES, um dos verdadeiros marcos fundamentais e inestimáveis da era negligenciada. Em suas parcas 5 músicas, todas instrumentais, Golem beira o fantástico, embrenha-se no portentoso, aloja-se no genial.
Orion Awakes é, sem sombra de dúvida, um dos álbums mais impressionantes de todo o Krautrock. Seja por sua produção inacreditavelmente à frente de seus pares ou simplesmente pela absurda qualidade contagiosa de suas músicas. É um álbum absolutamente obrigatório para qualquer fã, seja alguém já versado nos caminhos do Kraut ou um neófito.
Muito embora ainda seja possível, e quase mandatório, continuar elogiando a genialidade não proclamada desses grupos esquecidos, é momento de silenciar e deixar a música falar por si só.


German Oak - Swastika Rising
(do disco German Oak)



Paternoster - Stop These Lines
(do disco Paternoster)



Golem - The Returning
(do disco Orion Awakes)



German Oak - German Oak










01 - Swastika Rising
02 - The Third Reich
03 - Shadows of War
a) Rain of Destruction, b) V1 to London
04 - Airalert
05 - Down in the Bunker
06 - Raid Over Dusseldorf
07 - 1945 Out of the Ashes


Paternoster - Paternoster










01 - Paternoster
02 - Realization
03 - Stop These Lines
04 - Blind Children
05 - Old Danube
06 - The Pope Is Wrong
07 - Mammoth Opus O


Golem - Orion Awakes










01 - Orion Awakes
02 - Stellar Lunch
03 - Godhead Dance - Signal/Noise/Rebirth
04 - Jupiter and Beyond
05 - The Returning



Discografias:

• German Oak
German Oak (1972) * * * * * √
Niebelungenlied (1976) * * *

• Paternoster
Paternoster (1972) * * * * * √

• Golem
Orion Awakes (1973) * * * * * √

√ - (Volume-11 pick)

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