quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Built to spill what?

Imaginem como era a vida dos roqueiros de Brasília nos anos 80, esses mesmos que hoje são o legado do rock brasileiro (Legião Urbana, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Plebe Rude), antes do liberalismo do mp3. Um séquito muito especial de consumidores e fãs era encarregado de selecionar e distribuir os vinis para o populacho: os filhos de diplomata, ou como chamam as más línguas, Diplobrats. Pois estes conaisseurs traziam das fontes em tempo real as novidades musicais que seriam coqueluche nas festinhas ilícitas de Brasília.
Nesta que já é uma cidade arquitetonicamente planejada para a alienação, os desenganados mártires da diplomacia brasileira, embora desfrutem de todo o glamour do poliglotismo, riqueza, senso de estilo e cosmopolitismo, são eternos adolescentes cuja única referência mais ou menos fixa de identidade é o consultório do psiquiatra local e a língua universal dos psicofármacos. Se hoje em Brasília não temos a mesma efervescência daqueles tempos isso é culpa de nossa estultice e não da falta de acesso. Mas os Diplobrats, em sua maioria, cumpriram sua função descobrindo novidades, geralmente bandas independentes, e repassando para os pobres provincianos.
É assim que me lembro de ter descoberto BUILT TO SPILL, há uns 10 anos atrás, num desses turbulentos namoros de duas semanas. Ela era do tipo que invadia festas de família, bebia, comia e se passava por alguma sobrinha querida e distante da dona da casa sem o menor constrangimento. Porém, também era daquelas que num ataque de solidão te acorda no meio da madrugada em prantos inconsoláveis e indecifráveis. Me expulsava de sua casa e depois ameaçava suicidar-se se eu não voltasse. Nem um dia inteiro se passou depois de terminarmos até ela arrumar outro namorado desavisado. Mas tenho que admitir, se não fosse a música ela não seria ninguém. E ela tinha bom gosto.
O indie rock acabou reunindo sob o estandarte do escapismo uma parcela da juventude que realmente não se importa. Narcisismo, alienação, alucinações, ufologia, hedonismo, e toda sorte de banalidades que fizer cócegas na mente superestimulada da juventude desperdiçada é bem-vinda para consolidar essa estética do vazio.
Built to Spill é uma banda emblemática tanto pelo fato de ser pioneira, e de ser uma banda realmente independente, quanto pela sonoridade rica em texturas, camadas, que preencherão inúmeras tardes de experimentos químicos no apartamento. Melodias para embalar as mãos dadas de casais acidentais, e durante a maioria do tempo, letras confortavelmente esvaziadas de grandes significados. Não te carregam para muito longe, onde se poderia ter preguiça de voltar. O diferencial que a faz merecer a linha de frente do rock alternativo, além da voz convicta de Doug Martsch, que apesar de alcançar apenas uma oitava é daquelas da qual não se enjoa nunca, é o que realmente importa nesse “gênero”: as guitarras, sempre no plural. O estilo próprio, muito próprio de Doug, e composições grandiosas, sem economia de partes, solos inesquecíveis, timbres sempre muito bem forjados.
KEEP IT LIKE A SECRET ocupa facilmente o lugar entre os 5 melhores discos de rock alternativo de todos os tempos, daqueles em que pular uma faixa sequer é um pecado.
A fatuidade que as letras sugerem aqui é um elemento estético não por que impõem intencionalmente isso a juventude, mas por que isso é constituinte dela.

Finally I don't mind
Worthless tries at finding something else
Best not talk too loud
You're not as smart as you require of them
Your body breaks
Your needs consume you forever
And with this lied the need to be here together
Funny thing with blood
Try to stand but neither leg is awake
Just this side of love
Is where you'll find the confidence not to continue

Letra de Else, do disco Keep it like a secret

Um comentário:

F. Guilherme disse...

Built to spill é uma excelente banda. Sonoridade incrível.

Parabéns pelo blog.