sábado, 5 de dezembro de 2009

Então a sensação é essa...

A resignação; o entregar dos pontos; o jogar tudo pra cima; o abandonar o barco afundando; o fugir de si mesmo buscando uma paz ilusória alhures; sob a luz de um julgamento banhado nas águas rasas do senso comum, são todas consideradas atitudes covardes ou, na hipótese menos desfavorável, apenas imaturas. Procurar (e encontrar) refúgio numa ilha do Pacífico pode soar como roteiro clichê de um filme já feito diversas vezes, porém, não raramente, clichês cinematográficos, na vida real, se transformam em histórias memoráveis.

"Well, I ain't gonna live in your world no more" é como Tod A. começa a primeira música do sexto disco de sua segunda banda, FIREWATER. Ele mesmo, um sobrevivente das ruínas do emblemático grupo Cop Shoot Cop, conta em The Golden Hour a história de suas desventuras oriundas de sua própria resignação com o futuro de seu país entregue, na ocasião, pela segunda vez à mãos mal intencionadas e o fim de seu casamento.

Em The Golden Hour, a viagem de Tod A. é feita nossa e é uma com sua dose de emoções distintas, desde a romântica decisão, o êxtase da realização, o tédio da nova rotina, as lamentações sobre o destino de incautos que traçaram o mesmo itinerário que ele sem muita sorte até o estranho retorno à casa. As 13 músicas que compõem o disco funcionam mais como fotografias em um álbum de viagem, relatos, registros de um momento do qual não se escapou ileso.

Unindo-se ao som característico da banda estão instrumentos típicos do Paquistão, Turquia e Indonésia (lugares onde Tod morou nesses 3 anos) e em momento algum algo parece fora do lugar e a marcante voz presque Tom Waits de Tod A. soa perfeita enquanto, em cada música, ele traça claramente o desenho emocional de sua experiência. Em Borneo, a música que abre o disco, ele canta suas espectativas e fantasias:

"I'm gonna swing like an ape from a banyan tree
(Hey, Borneo)
I'm gonna live me a life of luxury
(Here I come, Borneo)
Or get drunk, untidy, and sleep all day
(Hey, Borneo)
Until your world is washed away"

Tod tabém revela alguns dos motivos de seu abandono:

"Well I lost my home
And I lost my wife
This is no joke
Yeah, this is my life"

E as músicas que se seguem vão gradativamente descendo do que começa com festas a beira mar andando solitário sobre as ondas até o momento do tédio amargo:

"Mostly the nights they ain't half bad
It's the days that seem designed to drive you mad
Sometimes it feels like the end of the world
Yes it feels like the end of the world"

A mordacidade de Tod não foi aplacada por seu tempo nos trópicos e se faz notar em frases como "The band's on fire, it's a pyre and the bodies are burning, I'm still alive but as the papers have assured me, I won't be for long" ou "Yeah I've been down so long that coming up is giving me the bends and I'm so goddamn lonesome, I count enemies as friends!". E também o retorno à casa é, como haveria de ser, marcado por ambiguidade:

"So I just dropped in today
To check on all my old obsessions
Everything's the same
Or maybe just a little worse"

The Golden Hour é um registro muito honesto de uma mente confusa e talentosa vivendo um sonho-que-vira-pesadelo. É maduro, complexo, apaixonante e, acima de tudo, será minha trilha sonora quando eu decidir abandonar tudo isso e "redescobrir o vazio dançando em alguma praia".


Firewater - Borneo



Firewater - 6:45 (so this is how it feels)



Firewater - Paradise


FIREWATER - The Golden Hour













01 - Borneo
02 - This Is My Life
03 - Some Kind of Kindness
04 - 6:45 (so this is how it feels)
05 - A Place Not So Unkind
06 - Paradise
07 - Bhangra Bros.
08 - Electric City
09 - Hey Clown
10 - Already Gone
11 - Feels Like the End of the World
12 - Weird to Be Back
13 - Three Legged Dog

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Aquele chiado honesto


Honestidade, além de uma virtude em desuso, é uma política que facilmente se confunde com grosseria. Sua raridade se deve a sua difícil reprodução, afinal, não se pode copiar ou fingir honestidade sem desvirtuar-lhe o sentido último. Mas é isso que fazemos a maior parte do tempo, em nome das instituições humanas, e quem sabe até de nossa sobrevivência.

Criar ilusão de honestidade já é uma ciência exata, da qual faz parte a produção musical, o marketing, a moda, a maquiagem. Nem o artista independente escapará ileso desse olho de furacão, não importa quão reclusa e despretensiosa seja sua produção.

A marca sonora dessa motivação é o que ficou conhecido como Lo-fi, que ironicamente remete a um retrato de baixa fidelidade da realidade. Como a honestidade, esse é um efeito melhor produzido em condições precárias: o porão da própria casa, o instrumento surrado no qual você aprendeu sua música favorita, e um coração destroçado.

O resultado geralmente é desastroso. E quando Robert Pollard e Bill Calahan pareciam sozinhos o disco de 2009, intitulado “Songs of Shame” do Woods se reúne a eles. A gravação em fita adquiriu uma propriedade de artefato raro que só se preserva em ouvidos românticos (quase sectários) que vergonhosamente ainda se apegam a essas excentricidades, se comovem com a exaltação desses tímidos poetas, imersa em chiado e eco. A dor que o poeta deveras sente, em baixa fidelidade, torna-se tão real que mal distinguimos da nossa própria.

Os dias parecem contados para essa forma já tão obsoleta de gravação – não tanto pela tecnologia, e nem pela desestimulante proliferação de artistas caseiros de ambições megalomaníacas – mas por conta de nosso cinismo.

Zoon Politikon que somos, estaríamos extintos sem uma salutar ilusão de expectativas alheias e próprias. Sem isso o mundo torna-se apenas uma cadeia alimentar sem propósito, na qual a balança pende para a destruição em vez da criação. Portanto não se trata de acabar com a ilusão, e sim de adicionar a ela alguma beleza que não se pareça apenas com vaidade.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A Teoria do Pop e Jaga Jazzist


Meus sobrinhos pré-púberes de repente tornaram-se fãs do Michael Jackson. Lembro-me num átimo quando “Thriller” (que eu cantava “Pirê”) estreou no Fantástico, ou a festa de aniversário de uma prima em que ficamos trancados no quarto dançando “Bad” ("Rusbé"), ou quando aprendi a letra de Billie Jean e achei seu significado cômico (“esse filho não é meu”, ainda soa engraçado). Em outro estalo o luto mundial baixa seu véu sobre a mesa de bar em que estou com amigos e sou solapado por insultos em reação a meu seco comentário: -Diversão barata. Provavelmente perdi a simpatia da garota que me olhava com interesse naquela hora. Em outra ocasião, um churrasco do trabalho, aproveitei a deixa para refletir em voz alta:- que ídolo é esse que troca de cor, supõe-se molestar crianças, compra bebês e os balança na janela de cara coberta? Vaiado outra vez. Acusado de moralista e quase enxotado do churrasco. -O que importa é a música! ou melhor a dança! (as pessoas se confundiam). De fato, minha posição parecia indefensável. Eu mesmo já preguei tantas vezes que a confusão entre obra e autor só fomenta fofoca. Mas esses dias eu tive outra epifania vendo TV. Num documentário desses sobre o gênio, entre Quincy Jones e Missy Elliot tirando seus chapéus, estava o depoimento derretido de Beyoncé dizendo que sonhava ser a mulher em “Smooth Criminal”. -Como Michael estava sexy!- Suspirava. Imaginar a Beyoncé na flor da adolescência febril por Michael cuja maior atração na época devia ser o Mickey Mouse me fez entender que eu estava cego para uma sedução muito mais óbvia. O que move o “Show business” e toda a humanidade é essa sedução. Stevie Wonder e Ray Charles nunca seriam reis do Pop, não naquela época. O pop foi inventado depois, quando essa sedução foi domesticada. Hoje em dia não duvido que cegueira entrasse na moda. Chegaram ao coração de muitas mulheres com sua música, eufemisticamente falando. Isso vende. Produtores ficaram muito bons nisso, seus ouvidos tem uma sensibilidade especial para os “instintos baixos”. De gênio artístico inquestionável o pequeno Michael passou a sex symbol, modelo de humanidade, filantropo, super herói de videogame e difusor da paz na terra e na Bahia.

Eu tentei explicar para os meus sobrinhos que a mídia tem um plano para controlar suas mentes mas eles não acreditaram. Mostrei tudo que eu achei que poderia salvá-los e nada. Entre essas coisas lá estava o clipe do National Bank, uma homenagem ao ídolo pop, com participação de um filho bastardo largado na noruega (parece que afinal o filho era dele sim). Se dessem ouvidos ao seu velho tio, o portal de uma nova dimensão se abriria diante deles. Nesse projeto, Lars Horntveth, líder do Jaga Jazzist mostrou que é possível ser direto sem ser cretino. Aguardo religiosamente o próximo do Jaga Jazzist que terá a produção de John Mcentire. Esses dois produtores juntos são quase a última esperança contra as forças do mal.


* Na foto, John a esquerda e Lars ao centro.





sábado, 18 de julho de 2009

Como uma tempestade em alto Mar

O metal é um gênero pouco excitante, previsível, seguidor de doutrinas rígidas que, quando quebradas, costumam gerar procelas, grandes comoções entre fãs - os mais xiitas da música. Sendo assim, embora o metal se manifeste em diversas formas - diferentes ou não - com categorias das mais variadas que, no fim, parecem designar coisas parecidas e, na sua maioria, insossas, ultrapassadas e pouquissimo excitantes, ele, o metal, sempre perambulou perigosamente pela mesmice insípida, empolgando gerações e mais gerações de moleques que cresceriam tendo no gênero a coisa mais próxima de uma religião em suas vidas, levando tão à sério as doutrinas e cabrestos estilísticos que se torna perigoso até um parágrafo como esse.

Porém, justiça há de ser feita; mesmo sendo o metal um estilo bastante rígido, existem bandas que ousam transpor certas barreiras e são essas que, normalmente, merecem os elogios, os holofotes. Alguns discos tomaram o gênero de surpresa, tiveram grande impacto, como Kill 'em All, do Metallica, e Overkill do Motörhead antes dele. Como com o Black Sabbath, da banda de mesmo nome e, antes dele Vincebus Eruptum, do Blue Cheer. A lista é grande: Sad Wings of Destiny, do Judas Priest, Killers, do Iron Maiden, Peace Sells... But Who's Buying, do Megadeth, Bonded by Blood, do Exodus, Among the Living, do Anthrax, Reign in Blood, do Slayer, Scum, do Napalm Death, The Real Thing, do Faith No More, Meantime, do Helmet, Shape of Punk to Come, do Refused... todos esses, à seu tempo, inovadores do metal, que, de uma forma ou de outra, pavimentaram caminhos que seriam seguidos por uma vasta massa de músicos competentes, porém sem inspiração.

Misturando duas ou mais das bandas acima consegue-se entender tudo que aconteceu nas últimas décadas do metal em geral, do hair metal, ao grindcore, do black ao new metal, do crust ao stoner. E foi levando à últimas consequências a receita de algumas dessas que surgiu o gênero no qual se encaixa a banda, o disco, que esse texto tenta falar. O sludge metal, como o nome sugere, é uma espécie muito lenta, pesada e densa de metal. Espelhando-se musicalmente nas águas de fontes como o Black Sabbath, mas emprestando, muitas vezes, seu vocal do death metal (ou do hardcore), o sludge criou um tipo de metal diferente, que não empolga pela velocidade, mas pela ambiência, que se permite composições longas no lugar da objetividade do metal mais pesado, sem, no entanto, esbarrar no virtuosismo desamparado de outros gêneros, o sludge, enfim, parece que, diferente de outros tipos de metal, tem seu foco nas próprias músicas, e não na impressão que causarão no ouvinte.

Um dos discos mais interessantes e amplos do gênero existe sob o nome de Oceanic, vindo de uma banda chamada ISIS. O quarto disco na história da banda, Oceanic marca o ponto mais alto da carreira do grupo, e também o mais bem balanceado entre peso, ambiência, tons, timbres e agressão. Suas nove músicas, que se extendem por pouco mais de uma hora, variam entre breves paisagens sonoras de 3, 4 minutos, e tormentas oceânicas (trocadilho intencional, obviamente) de 9, 10 minutos. Porém, não se enganem, mesmo em momentos pesados e gritados, a dinâmica pode mudar, trocando a distorção saturada das guitarras por um som limpo, sereno, a calmaria pós tempestade, mas ainda delineada por nuvens carregadas à distância.

Oceanic traz tanto de Black Sabbath, Earth, Neurosis, Godflesh e Melvins quanto de Mogwai e Slint. Os discos anteriores à ele mostram um Isis mais focado na parte agressiva de seu som, assim como os posteriores evidenciam a banda concentrando-se mais nas sutilezas, por isso ele, especificamente, funciona como um verdadeiro divisor de águas e é, sem dúvida, o ponto culminante da carreira do grupo, sendo sua grande qualidade o equilíbrio perfeito entre as sutilezas e a agressão, como uma mão que alterna entre afagos e repreensões.

Há uma certa concordância de que um dos elos mais frágeis de qualquer forma de metal são as letras, mas até mesmo nesse aspecto Isis consegue se diferenciar de seus comparsas, no disco em questão, as letras revolvem sempre em torno de temas ligados à natureza, mas não de uma forma meramente telúrica hippie, mas sim aproveitando-se do tema para construir algumas narrativas sombrias:

"Long you both laid in the sun's yellow stare
On the edge with eyes rolled back the waves were calling him

As he teetered on the edge
The waves were calling him

He had seen it, felt its might, bent under

Washing away
He thinks of you
Everything slows
Light flashing through

The water flies
Over his head
You are me now
As you lay on my bed [...] "

Não apenas há trabalho na concepção musical de cada faixa do disco, mas as palavras parecem escolhidas da mesma forma que os acordes, com preciosismo, alternando entre imagens belas e outras perversas.

"In this secret way
He knew you first

And from those lips, a seed

Your mouth dropped open
Darkness fell out

Kept close in skin
Kept close in blood
And in he was

And from those lips, a seed

This is the gift that he received
Twisted roots kept warm

Rape she was and ready for the death"

Oceanic é uma das grandes obras do metal, e é justamente tão bom por não se deixar prender por amarras estilísticas, é um disco para ser ouvido do começo ao fim, sem pular uma música, sem perder um só segundo, pois isso tiraria da experiência final, da sensação que se tem ao término de suas músicas, que é parecida com a que se tem ao encarar o mar sumindo à distância ao morrer do dia, a eterna promessa de coisas grandiosas além de onde o céu encontra as águas.


ISIS - Oceanic









01 - The Beginning and the End

02 - The Other

03 - False Light

04 - Carry

05 - (sem nome)

06 - Maritime

07 - Weight

08 - From Sinking

09 - Hymn

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Breve história de supreendentes decepções

Alguns discos nunca tiveram seus genuínos sucessores corretos, no entanto, algumas bandas estranhamente parecem pegar o trabalho onde outras deixaram e continuar o legado de uma outra banda que poderia ter sido excelente, mas parou com apenas aquele primeiro disco e, ao meu ver, isso nem sempre acontece de forma deliberada. Babylon Zoo, em 1996, teve, por sorte, aparentemente, um grande disco, The Boy With the X-Ray Eyes. Desse disco saíram grandes singles, como Spaceman e Animal Army, em sua época, tenha certeza, X-Ray Eyes quase derreteu de tanto que rodava dentro do meu som (gerando até algumas piadas internas entre amigos que duram até hoje).
Porém, quando Babylon Zoo lançou seu próximo disco, que decepção. Tudo que era bom, havia sumido, em seu lugar um som aguado, uma fórmula diluída do que o músico responsável pensava que o público gostaria de ouvir, estava ali um CD que serviria muito mais como apoio para copos do que qualquer outra coisa.
Porém, em 1998 veio, de uma outra banda, a tão aguardada sequência, Without You I'm Nothing, do Placebo, parecia juntar os caquinhos deixados pelo Babylon Zoo e juntá-los em algo digno de ter sido o 'follow up' tão desejado. Tanto em conteúdo quanto em estilo, o segundo disco do Placebo, de olhos fechados, poderia ser confundido com o que se imaginava e se esperava do Babylon Zoo.
Enfim, se em alguns casos, como esse exemplificado, talvez a semelhança se dê fortuitamente, em outros a coisa parece muito mais deliberada. Em 1992, pouco antes dos acontecimentos relatados acima, LILYS, banda que Kurt Heasley, daí em diante, usaria para dar vida à suas idiossincrasias e vontades (nem sempre congruentes), lançaria um disco chamado In the Presence of Nothing.
Chamá-lo de sucessor óbvio de Loveless, lançado apenas um anos antes pelo My Bloody Valentine, parece uma descrição cabida e, talvez, julgando pelo seu conteúdo, a descrição que mais agradaria Kurt. In the Presence of Nothing é shoegaze em seu estado mais puro; guitarras distorcidas com grandes doses de reverb, batidas hipnotizantes, vocais suaves e barulho, uma boa dose dele.
Naturalmente, Kurt não consegue atingir o mesmo nível de genialdade que My Bloody Valentine conseguiu com Loveless, no entanto, sendo este um disco tão fantástico, isso em nada depõe contra a qualidade de In the Presence of Nothing. Músicas como a que abre o disco, There's No Such Thing as Black Orchids, ou então Periscope, satisfazem perfeitamente os ouvidos mais exigentes.
O excelente trabalho de guitarra que caracteriza toda a obra de Heasley, assim como suas melodias marcadas por sua voz aconchegante, diferencia esse album de mais outros tantos de bandas que apenas procuravam capitalizar no breve fenômeno do shoegaze. O clima que permeia o álbum é o de sonhos diurnos, aqueles que você tem enquanto acordado e, certamente, se houvesse uma trilha sonora pra tais momentos, In the Presence of Nothing seria seu nome. Cada uma de suas músicas parece cuidadosa e habilmente composta para aquecer a alma, tranquilizar o coração e inspirar abstrações, principalmente a 'tormenta' sonora de 12 minutos que é The Way Snowflakes Fall.
Felizmente, Kurt Heasley e seu Lilys conseguiu o que muitas bandas não conseguem, continuar o bom trabalho. Nos anos que se seguiram vieram outros álbuns. A Brief History of Amazing Letdowns, praticamente perfeito (se descontar a última pequena música, que justifica o nome do disco), pequenas pérolas como Dandy, Ginger e Jenny Andrew and Me fazem deste breve disco (apenas 6 músicas e pouco mais de 22 minutos) obrigatório para qualquer fã de shoegaze.
Em seguida veio Eccsame the Photon Band, talvez o melhor disco da carreira da banda. A facilidade com a qual Kurt compõe obras primas como High Writer at Home, The Turtle Which Died Before Knowing, Day of the Monkey, FBI and Their Toronto Transmitters e especialmente a fantástica The Hermit Crab, é assombrosa. Eccsame é uma experiência e tanto, sugere caminhos que, se outros fossem mais atentos e dispostos a novidades, o shoegaze deveria ter seguido. É, sem dúvida, uma obra prima do gênero.
Embora nos anos que se seguiram Kurt tenha conseguido manter a qualidade indiscutível de seu trabalho na maioria absoluta do que fez, Eccsame marcou a sua despedida do shoegaze. Daí em diante, com discos como The 3-Way, Precollection e Everything Wrong Is Imaginary, Kurt mergulhou mais em um peculiar revival de suas influências mais antigas (como Love e The Kinks), e, enquanto os discos posteriores, especialmente Everything Wrong, sejam grandes álbuns, eles não fazem justiça aos grandes dias que Kurt passou sob o quente mormaço envolvente do shoegaze.
Sem esquecer a qualidade presente nos seus trabalhos subsequentes, eu não consigo não me perguntar: será que alguém um dia lançará, intecionalmente ou não, um disco que eu poderei considerar como o sucessor devido para Eccsame the Photon Band? Eu definitivamente espero que sim.

Lilys - Dandy
(do disco A Brief History of Amazing Letdowns)



Discografia:

In the Presence of Nothing (1992) * * * * √
A Brief History of Amazing Letdowns (1994) * * * * √
Eccsame the Photon Band (1995) * * * * * √
Better Can't Make You Life Better (1996) * * * *
The 3-Way (1999) * * * *
Precollection (2003) * * * *
Everything Wrong is Imaginary (2006) * * * * √

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Calla e o Torpor


Diletantes depois dos 30 tornam-se sujeitos insuportáveis. É quando notam que nunca responderam muito bem à grande questão: “por que não tentar?”. E o resto do mundo parece cobrar com juros o tempo que se gastou no ócio que jurava ser criativo, o pobre insolente não tem sequer algo de concreto nas mãos, o que leva a uma indócil desconfiança da originalidade de qualquer um, e um senso inigualável de oportunidade para longas discussões em torno de tópicos polêmicos, nas quais sempre assumirá o papel do reacionário cínico. Se ele ainda morar na casa dos pais, então... muito cuidado ao lhe dar qualquer atenção. Pois a essa altura, ele já tem uma biblioteca musical teramétrica, e é capaz de fazer Top 100 sobre qualquer tema esdrúxulo apenas para irritar o interlocutor desavisado. Não há pessoa mais triste. É um retrato esmaecido de como uma nobre paixão pode se tornar masturbação compulsiva. Críticos de arte tendem a ser possuídos por esse Pathos. E sem grandes elucubrações penso que a cura é bem simples: não se levar muito a sério.
O século XIX talvez reservasse lugar para saraus em que se debatiam questões estéticas com finalidades humanistas. Hoje em dia não acreditamos mais em nenhuma criação perene. Queremos apenas ser afetados de uma forma que não nos modifique. Queremos no máximo ser justificados, representados, fazer parte da normalidade, por mais aberrante que seja. E se tratando do Universo egocêntrico do Rock, claro, queremos também nos sentir Reis de alguma coisa, do barulho, do bairro, de uma dimensão aloprada qualquer, das viagens psicodélicas, das loiras peitudas. É difícil encontrar alguma substância subtraindo-se uma insistente energia, elétrica ou humana, na confecção dessa parafernália rudimentar que é o rock. De fato, parece que os Beatles já anteciparam todas as possibilidades. A história do Rock foi escrita por eles. A música eletrônica, que marcaria o fim dessa história, apenas se utilizou de tecnologia para fazer das canções algo mais elementar, atomista, acéfalo. E se engana quem acha que música eletrônica não é orgânica. (Stockhausen: ainda não sei se é um gênio, um chato, ou um gênio chato). Nem sei também se uma dia arte vai servir a algum propósito que não seja esnobe, ou uma banal ilusão de individualidade e bom gosto, e espero de coração que o tempo que gasto na apreciação sirva ao menos para me tornar mais perceptivo e aberto.
Cuspidas essas bolas de pêlo, posso apresentar a banda que me trouxe a essa reflexão. De início me cativaram os discretos harmônicos na guitarra, e os charmosos cochichos vocais, mais especificamente da música Customized, no disco televise, da banda Calla. Aos poucos tornou-se evidente que conseguem iludir o ouvinte desatento. A música que ouvimos na superfície é apenas um disfarce lúgubre. Há mesmo algo de festivo sufocado lá no fundo. Fui conferir o primeiro disco para descobrir a origem dessa farsa e lá estava. O disco epônimo revela a essência fantasmagórica que apenas ronda os outros discos. Trata-se de loops, texturas e programações eletrônicas, enfeitadas de guitarras reverberadas e batidas sobressaltadas. Scavengers, o segundo disco introduz o formato de banda propriamente dita. O baixo é violento como dub, e as músicas se perdem em divagações pós-rock. A voz enforcada é ainda marcante. Algumas músicas carregam uma marca sórdida (Traffic Sound). As letras são abstratas, como cifras de um mundo em torpor, sem força para se materializar...

Over, trip, and walk

Crawl and call me up

Against a simple thought I thought I had

You, inside my arms

Inside my hands

Paralyzing every sense I've ever had

Over silent talk

Why'd She pick me up

Arnold in the backseat

sitting silenty

Tracing passing lights

Tremble on with me

Dreaming of a simple life We'll never see