quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

half of what I say is meaningless, but...



Exatos trinta anos se passaram desde que tive minha primeira lição sobre a morte. Eu não poderia compreender muito, tinha apenas dois anos de vida. No entanto, isso não me impediu de chorar na companhia de minha irmã a morte daquele que já era meu Beatle preferido.

Dessa primeira lição eu depreendi, com a cabecinha de criança, apenas duas coisas; uma é que aquilo era ruim, a outra é que a morte era, também, permanente. Demorei 29 anos para tirar de mim noção de que a morte é algo ruim, que é algo natural aprendi muito antes, mas a aceitá-la e respeitá-la, apenas alguns anos atrás. Espero, quem sabe, um dia, perder a noção também de que ela, a morte, é permanente, porém não visando meu próprio benefício. Dificilmente eu, mesmo vivendo inúmeras vidas, faria alguma diferença para o mundo, apenas ocuparia espaço.

São apenas pessoas da categoria do Lennon que merecem muito mais que apenas uma temporada por aqui.

À sua memória (e um possível retorno), faço um brinde. Obrigado por tudo, John. Pra sempre.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Enquanto as pessoas dormem

Da janela ao meu lado vejo a cidade inteira adormecida, mergulhada numa noite cinza, como a maioria das noites são por aqui. Ao meu lado, o gato dorme pacífico. A casa estaria mergulhada no mais completo silêncio se não fossem pelos violinos que aos poucos são acompanhados pelo gamelão. Pelos gongos, cítaras javanesas, bambus de Bali e flautas que, concomitantes à bateria, baixo e guitarra vão aos poucos preenchendo o ambiente com ares indonésios.

A música produzida pelos irmãos Joshua e Mischo McKay sob a alcunha de Macha é uma mistura transcendental de post-rock com o que se imagina ouvir numa madrugada à beira mar, perdido em Bali, inebriado pela magia local. Diferente de outros discos e bandas que buscaram inspiração no mesmo cenário mítico, como Porno for Pyros em Good God's Urge e Firewater em The Golden Hour, a música de Macha é mais contemplativa, mais mística e suave.

No curto espaço de tempo entre 1998 e 2004, Macha lançou quatro discos; Macha, em 1998, See it Another Way, 1999, Macha Loved Bedhead de 2000 e, por fim, em 2004 Forget Tomorrow. Enquanto os dois primeiros focam muito mais o aspecto folk indonésio da banda, Macha Loved Bedhead é um disco póstumo em homenagem a outra grande banda (Bedhead) da mesma cidade. Já Forget Tomorrow, em partes, foca sonoridades mais acessíveis, dançantes até, pelo menos em sua primeira metade. O que permeia as músicas dos irmãos McKay, no entanto, é uma eterna sensação de torpor realmente transcendental e Macha, por vezes, soa muito mais como música para sua alma que para seus ouvidos.

Por motivos pessoais, guardo em meu computador diversas imagens de praias espalhadas por Bali, Bora Bora, Havaí. Ouvindo em seqüência os poucos discos da banda, minha vontade é correr pro aeroporto munido apenas de meus headphones, abandonar essa noite desinteressante, trocando-a pelo ensolarado litoral distante. Abrir mão desse pulsar das antenas que cercam por estrelas de verdade sob um céu qualquer perdido num arquipélago do Oceano Índico. Manteria apenas a trilha sonora e o sorriso em meu rosto.

Discografia:

Macha (1998) * * * * *

See it Another Way (1999) * * * * * √

Macha Loved Bedhead (2000) * * * *

Forget Tomorrow (2004) * * * * *


Macha - No Surprise Party


Macha - Hey Goodbye

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

requiem para uma infância desperdiçada



Eu, enquanto crescia, dormi no quarto dos meus pais muito mais do que seria sadio pra qualquer criança. Toda noite, num colchão ao lado da cama, adormecia ouvindo o rádio que meu pai tinha trocado por um canivete com seu irmão. Algumas noites, o que ouvia eram crônicas policiais, noticiários sensacionalistas da meia noite, a clássica rádio AM naquela época. Outras noites ficávamos no escuro do quarto ouvindo a programação boa, easy listening FM, e essas eram quase as melhores.

Aquele rádio prateado tem grande responsabilidade no meu costume de andar toda a vida com fones de ouvido e certamente é a melhor lembrança que posso forjar de meu pai. Às vezes ouço uma música que me lembra dessas noites, seja canção melancólica do James Taylor ou A Horse With No Name. A Nostalgia deita suas mãos sobre mim nesses momentos, mas, evitando saudosismo, sacudo a poeira espessa dos dias esquecidos e logo me ponho a pensar sobre coisas úteis, como se houvesse algo útil a se pensar.

É corriqueiro e compreensível que seja tomado por sensações assim quando, de súbito, ouço uma música que me lembre desses momentos, o que, porém, surpreende é ouvir um disco lançado em 2010 e ser transportado imediatamente ao escuro daquele quarto, deitado naquele colchão, ouvindo aquele radinho e Infinite Arms do BAND OF HORSES teve esse poder.

Logo ao começo do disco, com Factory, Compliments e Laredo, a sensação me acomete e nostalgia por algo novo me surpreende. Notoriamente, Ben Bridwell também aprendeu bem suas lições de um radio. Infinte Arms parece retirado de minhas lembranças infantis, soa em seus melhores momentos como pedaços de americana romantizada. Seu leve reverb característico daquele período e sua forte veia pop refletidos por um espelho empoeirado, conferem um ar ao mesmo tempo novo e familiar. Faixa após faixa, desde a primeira audição, tenho a sensação de já ter ouvido o disco antes, seja um arranjo que me lembre Beach Boys, vozes que me lembrem Crosby, Stills, Nash and Young ou simplesmente um arranjo bastante peculiar.

Às vezes fico em luto por uma infância que, sinto, não foi vivida em todo seu potencial, mas, pelo menos, consigo resgatar, transformar alguns momentos fugazes em boas memórias, fantasiosas ou não. Em meio às minhas lembranças, só espero que, em algum canto, numa dessas noites, tenha uma criança num quarto escuro esperando o sono chegar ouvindo Infinite Arms no radinho do pai, mesmo que, agora, ele não faça idéia do que isso seja.


Band of Horses - Factory



Band of Horses - Compliments



Band of Horses - Laredo

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

muzak para o Apocalipse

Em tardes quentes, secas e ociosas, não raro, me entrego à prazeres adolescentes. Quinze anos atrás eu sonhava com o que viveria agora. Agora, sonho com o que vivia quinze anos atrás. Dificilmente minha vida é como eu imaginava então, tampouco foi minha adolescência como fantasio agora.

Muitas coisas mudam em 15 anos, outras simplesmente adormecem, cobertas por uma camada fina de culpa e vergonha. Porém, abrir mão de tolices me permite, hoje, voltar a desfrutar alguns prazeres pré-púberes, como andar por aí usando camisetas de bandas de metal ouvindo o que de mais pesado existe, e com orgulho.

Hoje, quando meus phones ou as exageradamente grandes caixas de som da minha casa bradam as distorções absurdas do NEUROSIS, volto no tempo. Volto pra época do prédio em que morava em Minas Gerais. Me pego insuflado, vibrando a cada palhetada como quando ouvia, na tripudiada década de 80, meus vinis surrados na companhia de amigos igualmente empolgados.

Pra esse cara de fios brancos na cabeça que insiste em ainda ouvir metal, Neurosis é o som de tormentas, trilha sonora de tempestades, companheiro de revoltas silenciosas. É uma representante perfeita do que costumo chamar, sem medo de soar preconceituoso, de metal de gente grande.

Definitivamente, não é um som fácil de se ouvir, o que, afinal, é um predicado apreciado pelas bandas que caminho (trocadilho não intencional). Me apraz perceber que não envelheci/amadureci sozinho. Enquanto, é certo, ainda existem bandas de metal que galgam orgulhosamente o pangaré chamado Ridículo, existem outras que ousam e pensam e fazem um tipo de música pra quem de fato AMADURECEU, não apenas envelheceu, e continuou gostando de música pesada. É acalentador pro moleque agora envelhecido perceber que existe cérebro onde antes só havia ímpeto.


Neurosis - Given to the Rising


Neurosis - The Doorway


Neurosis - Burn


Discografia:

Pain of Mind (1988) * *

The World as Law (1990) * *

Souls at Zero (1992) * * *

Enemy of the Sun (1994) * * * *

Through Silver in Blood (1996) * * * * * √

Times of Grace (1999) * * * * *

A Sun that Never Sets (2001) * * * *

Neurosis and Jarboe (2003) * * * *

The Eye of Every Storm (2004) * * * * * √

Given to the Rising (2007) * * * * * √

Live at Roadburn 2007 (2010) * * * * *

sábado, 14 de agosto de 2010

Relaxa aí, Chaz!

Um universo pouco explorado em nossas crônicas é o do DJ, por razões óbvias: é difícil extrair dele algum conteúdo humano, instigante emocional ou intelectualmente. O hip-hop e a música eletrônica conferiram status de celebridade a esses que antigamente eram uma espécie de diletante com talento para coração da festa. A internet e a tecnologia colocaram ao alcance das mãos de qualquer um esse poder, porém, esse acesso fácil faz com que o diferencial nessa prática seja o que é mais difícil de se samplear, ou baixar: bom gosto.

A indústria de entretenimento pode ser bem recompensadora até num país como o Brasil. Conheço um exemplo aqui na minha cidade do monopólio de uma certa produtora de eventos que dominou as principais festas da cidade e já se estende para a Europa com uma combinação de: um pequeno contingente de 3 ou 4 djs, que também são editores gráficos, um set médio que comprovadamente apela aos ouvidos de meus conterrâneos, e egos gigantescos que atraem olhares e fama. Vivem o sonho de rockstar em uma casa digna de MTV cribs no melhor bairro da cidade, são invejados pelos homens, assediados pelas mulheres, bajulados pelos gays e sempre bem-vindos onde quer que cheguem. Graças a sua iniciativa e visão contribuíram para as opções de diversão tão escassas na cidade, que há poucos anos atrás ainda dependia de festas clandestinas que se realizavam em casas de amigos que iam a forra na ausência dos pais.

Todos os benefícios da fama sem a angústia da autoria, é difícil de imaginar uma situação mais confortável. Eventualmente pode ser frustrante ficar a mercê dos caprichos da pista de dança, mas nada que ameace o tão cobiçado estilo de vida. Os mais ousados podem arriscar produções pessoais no Reason, mas é bem provável que a infinidade de samples que ele oferece não seja o suficiente para se fazer algo pouco acima do medíocre.

Até que nos deparamos com algo como Toro y moi, o projeto de Chazwick Bundick e percebemos que o material estava lá o tempo todo, carecia apenas de uma sensibilidade que se apropriasse dele e lhe desse alguma conformação. Chazwick largou a guitarra e o vocal da banda The heist and the accomplice e se apossou desse material com impressionante desprendimento. Ganhou o rótulo meio banal de chillwave graças à qualidade relaxante de seus sintetizadores, timbres e filtros, que diluem suas melodias num vapor de veraneio... inspira bons momentos, clima agradável, amigos... nada glamouroso, como os similares no hip-hop, e muito mais ingênuo e aventuroso que as grandes produções do Pop. Diversão desencanada para variar.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

abençoada a estação que te trouxe a mim...

Violentados diariamente com tantas insignificâncias, não é de assombrar que não se perceba, entre prostitutas e salafrários, agressões e indiferenças, onde ainda existe coração. É aí que entra a Morte. Ela, a Morte, é necessária pra desviar a atenção das frivolidades do cotidiano, apontar a direção certa, na qual se caminha uns 2 ou 3 passos, nos melhores casos, acalentados pelo desamparo, indo adiante na própria vida com rubor na face.


Foi necessária a morte de John Martyn pra que eu sujasse meus dedos escavando e desse mais uma girada em Bless the Weather e não mais do que isso foi preciso para que eu me perguntasse o porquê de nunca ter sentido antes a revelação que experimentava naquele momento.


Algumas perdas antes me haviam tomado de assalto e, muito embora eu já fosse bastante fã dos músicos na ocasião de suas mortes, o que mais me marcou foi como algumas de suas músicas ganharam mais profundidade com o novo derradeiro e inexorável fato. Quando, por exemplo, Arthur Lee cantava, ainda em vida, estrofes como a que segue elas não tinham o peso e profundidade que ganharam (ou que pelo menos lhes atribuí):


" this is the time and life that I am living

and I'll face each day with a smile

for the time that I've been given's such a little while

and the things that I must do consist of more than style.


this is the only thing that I am sure of

and that's all that lives is gonna die

and for every happy hello, there will be goodbye

there'll be a time for you to put yourself on.


everything I see needs rearranging

and for anyone who think it's strange

then you should be the first one to make this change

and for everyone who thinks that life is just a game:

do you like the part you're playing? "


Assim foi quando ouvi John suplicando o simples refrão de Go Easy pela primeira vez após sua morte: " Life, go easy on me... Love, don't pass me by... ". Me peguei, comovido, desejando que seus pedidos tivessem sido atendidos, que tivesse tido uma vida agradável nos braços do amor, em qualquer de suas formas, e, certamente com o coração amolecido pela perda de alguém que não era muita coisa pra mim até o momento, escutei o disco inteiro com novos ouvidos... que privilégio raro, caro John, melhorar a vida de alguém no mesmo dia em que se morre?


É certo que sua carreira foi terrivelmente irregular, alternando entre discos perfeitos, como Bless the Weather, Solid Air, Grace & Danger e Glorious Fool e outros algo dispensáveis, porém o homem nascido como Iain David McGeachy e enterrado como John Martyn apenas 61 anos depois pode gozar a eternidade sabendo que, quando se produz tanta beleza nesse tempo tão curto na superfície da Terra, o que se foi sempre será lembrado com admiração.


Mesmo que a vida não pegue leve em uma ocasião ou outra, mesmo que o amor passe despercebido, é reconfortante ter onde esconder o coração do relento, e foi exatamente o que você, John, nos deu e, por isso, obrigado. Descanse em paz.




John Martyn - Go Easy



John Martyn - Head and Heart


domingo, 16 de maio de 2010

Ariel Pink vs Pink Floyd


Há alguns meses tenho tido a chance de observar uma lenta porém drástica revolução na vida de um colega de profissão. Ele, que tem a minha idade, é mais careca e já avançou mais na carreira do que eu, decidiu abandonar tudo (gradualmente) e se tornar astro de Rock.
Não tem como não admirar sua coragem. E isso é basicamente tudo. Não que seja desprovido de técnica ou talento, (na minha opinião tem aquela de sobra e uma pequena reserva inexplorada deste), mas é meio deprimente vê-lo tocando cover mofado de rock´n roll com aquele carisma de apresentador de bingo para cabeludos da periferia. Eu já até me arrepiei quando conseguiram numa noite mágica reproduzir com perfeição aquela do Pink floyd, solo a solo. O gordinho ao meu lado estava quase chorando. Ao fim do show ele foi pedir o telefone e e-mail dos músicos, efusivamente lhes garantindo que foi o melhor cover que já tinha visto. São os louros da conquista. Coisas pequenas, mas que têm encorajado meu colega a perseguir seu sonho. Começou a dar aula de violão para crianças e está fazendo turnê nos bares da cidade, onde nas horas vagas discorre em tom sindical sobre as dificuldades que um músico enfrenta desde o momento em que pretende fazer disso sua profissão (primeiro a falta de incentivo dos pais, depois do estado e blábláblá...).
No alto de sua ingenuidade ele acha que seu maior obstáculo é a falta de prestígio que a cultura brasileira reserva ao músico. Ele acha que se o músico tivesse estabilidade e um lugar cativo no rol das profissões poderia trabalhar em paz (estabilidade é o sonho mor na minha cidade, onde os concursos públicos imperam no imaginário adulto).
É uma idéia interessante pelo pragmatismo, vinda de um beatlemaníaco xiita para quem nada mais é relevante, pois Beatles e Pink floyd já realizaram tudo.
Eu, em contrapartida, não quero fama e fortuna (talvez estabilidade, ok), não sei solar, e direciono minha esperança para a prolífera música contemporânea independente.
Eis um exemplo.
Ariel Pink era um jovem abastado porém esquisito da parte nobre de L.A, que produzia despretensiosa e incansavelmente música com o que lhe caísse nas mãos, ou até de mãos vazias, com a infame sanfona de sovaco ou com a bateria de boca. Vaiado e escorraçado das apresentações públicas não desistiu. Até que a providência o levou ao conhecimento daquela banda, que na época era apenas promissora e hoje é o futuro, Animal Collective. Pasmos com a originalidade, convidaram-no para entrar em seu selo Paw tracks que naquele tempo só comportava eles mesmos.
Ariel Pink provavelmente não será conhecido pelo meu colega roqueiro, e se lhe chegar aos ouvidos não agradará pela má gravação nem soará como novidade. Mas quem sabe reconhecer a fagulha do gênio, que inspira pela liberdade e desrespeito a convenção, se sentirá compelido a superar qualquer obstáculo que sirva como desculpa para falta de criatividade.