segunda-feira, 17 de maio de 2010

abençoada a estação que te trouxe a mim...

Violentados diariamente com tantas insignificâncias, não é de assombrar que não se perceba, entre prostitutas e salafrários, agressões e indiferenças, onde ainda existe coração. É aí que entra a Morte. Ela, a Morte, é necessária pra desviar a atenção das frivolidades do cotidiano, apontar a direção certa, na qual se caminha uns 2 ou 3 passos, nos melhores casos, acalentados pelo desamparo, indo adiante na própria vida com rubor na face.


Foi necessária a morte de John Martyn pra que eu sujasse meus dedos escavando e desse mais uma girada em Bless the Weather e não mais do que isso foi preciso para que eu me perguntasse o porquê de nunca ter sentido antes a revelação que experimentava naquele momento.


Algumas perdas antes me haviam tomado de assalto e, muito embora eu já fosse bastante fã dos músicos na ocasião de suas mortes, o que mais me marcou foi como algumas de suas músicas ganharam mais profundidade com o novo derradeiro e inexorável fato. Quando, por exemplo, Arthur Lee cantava, ainda em vida, estrofes como a que segue elas não tinham o peso e profundidade que ganharam (ou que pelo menos lhes atribuí):


" this is the time and life that I am living

and I'll face each day with a smile

for the time that I've been given's such a little while

and the things that I must do consist of more than style.


this is the only thing that I am sure of

and that's all that lives is gonna die

and for every happy hello, there will be goodbye

there'll be a time for you to put yourself on.


everything I see needs rearranging

and for anyone who think it's strange

then you should be the first one to make this change

and for everyone who thinks that life is just a game:

do you like the part you're playing? "


Assim foi quando ouvi John suplicando o simples refrão de Go Easy pela primeira vez após sua morte: " Life, go easy on me... Love, don't pass me by... ". Me peguei, comovido, desejando que seus pedidos tivessem sido atendidos, que tivesse tido uma vida agradável nos braços do amor, em qualquer de suas formas, e, certamente com o coração amolecido pela perda de alguém que não era muita coisa pra mim até o momento, escutei o disco inteiro com novos ouvidos... que privilégio raro, caro John, melhorar a vida de alguém no mesmo dia em que se morre?


É certo que sua carreira foi terrivelmente irregular, alternando entre discos perfeitos, como Bless the Weather, Solid Air, Grace & Danger e Glorious Fool e outros algo dispensáveis, porém o homem nascido como Iain David McGeachy e enterrado como John Martyn apenas 61 anos depois pode gozar a eternidade sabendo que, quando se produz tanta beleza nesse tempo tão curto na superfície da Terra, o que se foi sempre será lembrado com admiração.


Mesmo que a vida não pegue leve em uma ocasião ou outra, mesmo que o amor passe despercebido, é reconfortante ter onde esconder o coração do relento, e foi exatamente o que você, John, nos deu e, por isso, obrigado. Descanse em paz.




John Martyn - Go Easy



John Martyn - Head and Heart


domingo, 16 de maio de 2010

Ariel Pink vs Pink Floyd


Há alguns meses tenho tido a chance de observar uma lenta porém drástica revolução na vida de um colega de profissão. Ele, que tem a minha idade, é mais careca e já avançou mais na carreira do que eu, decidiu abandonar tudo (gradualmente) e se tornar astro de Rock.
Não tem como não admirar sua coragem. E isso é basicamente tudo. Não que seja desprovido de técnica ou talento, (na minha opinião tem aquela de sobra e uma pequena reserva inexplorada deste), mas é meio deprimente vê-lo tocando cover mofado de rock´n roll com aquele carisma de apresentador de bingo para cabeludos da periferia. Eu já até me arrepiei quando conseguiram numa noite mágica reproduzir com perfeição aquela do Pink floyd, solo a solo. O gordinho ao meu lado estava quase chorando. Ao fim do show ele foi pedir o telefone e e-mail dos músicos, efusivamente lhes garantindo que foi o melhor cover que já tinha visto. São os louros da conquista. Coisas pequenas, mas que têm encorajado meu colega a perseguir seu sonho. Começou a dar aula de violão para crianças e está fazendo turnê nos bares da cidade, onde nas horas vagas discorre em tom sindical sobre as dificuldades que um músico enfrenta desde o momento em que pretende fazer disso sua profissão (primeiro a falta de incentivo dos pais, depois do estado e blábláblá...).
No alto de sua ingenuidade ele acha que seu maior obstáculo é a falta de prestígio que a cultura brasileira reserva ao músico. Ele acha que se o músico tivesse estabilidade e um lugar cativo no rol das profissões poderia trabalhar em paz (estabilidade é o sonho mor na minha cidade, onde os concursos públicos imperam no imaginário adulto).
É uma idéia interessante pelo pragmatismo, vinda de um beatlemaníaco xiita para quem nada mais é relevante, pois Beatles e Pink floyd já realizaram tudo.
Eu, em contrapartida, não quero fama e fortuna (talvez estabilidade, ok), não sei solar, e direciono minha esperança para a prolífera música contemporânea independente.
Eis um exemplo.
Ariel Pink era um jovem abastado porém esquisito da parte nobre de L.A, que produzia despretensiosa e incansavelmente música com o que lhe caísse nas mãos, ou até de mãos vazias, com a infame sanfona de sovaco ou com a bateria de boca. Vaiado e escorraçado das apresentações públicas não desistiu. Até que a providência o levou ao conhecimento daquela banda, que na época era apenas promissora e hoje é o futuro, Animal Collective. Pasmos com a originalidade, convidaram-no para entrar em seu selo Paw tracks que naquele tempo só comportava eles mesmos.
Ariel Pink provavelmente não será conhecido pelo meu colega roqueiro, e se lhe chegar aos ouvidos não agradará pela má gravação nem soará como novidade. Mas quem sabe reconhecer a fagulha do gênio, que inspira pela liberdade e desrespeito a convenção, se sentirá compelido a superar qualquer obstáculo que sirva como desculpa para falta de criatividade.