quarta-feira, 8 de setembro de 2010

requiem para uma infância desperdiçada



Eu, enquanto crescia, dormi no quarto dos meus pais muito mais do que seria sadio pra qualquer criança. Toda noite, num colchão ao lado da cama, adormecia ouvindo o rádio que meu pai tinha trocado por um canivete com seu irmão. Algumas noites, o que ouvia eram crônicas policiais, noticiários sensacionalistas da meia noite, a clássica rádio AM naquela época. Outras noites ficávamos no escuro do quarto ouvindo a programação boa, easy listening FM, e essas eram quase as melhores.

Aquele rádio prateado tem grande responsabilidade no meu costume de andar toda a vida com fones de ouvido e certamente é a melhor lembrança que posso forjar de meu pai. Às vezes ouço uma música que me lembra dessas noites, seja canção melancólica do James Taylor ou A Horse With No Name. A Nostalgia deita suas mãos sobre mim nesses momentos, mas, evitando saudosismo, sacudo a poeira espessa dos dias esquecidos e logo me ponho a pensar sobre coisas úteis, como se houvesse algo útil a se pensar.

É corriqueiro e compreensível que seja tomado por sensações assim quando, de súbito, ouço uma música que me lembre desses momentos, o que, porém, surpreende é ouvir um disco lançado em 2010 e ser transportado imediatamente ao escuro daquele quarto, deitado naquele colchão, ouvindo aquele radinho e Infinite Arms do BAND OF HORSES teve esse poder.

Logo ao começo do disco, com Factory, Compliments e Laredo, a sensação me acomete e nostalgia por algo novo me surpreende. Notoriamente, Ben Bridwell também aprendeu bem suas lições de um radio. Infinte Arms parece retirado de minhas lembranças infantis, soa em seus melhores momentos como pedaços de americana romantizada. Seu leve reverb característico daquele período e sua forte veia pop refletidos por um espelho empoeirado, conferem um ar ao mesmo tempo novo e familiar. Faixa após faixa, desde a primeira audição, tenho a sensação de já ter ouvido o disco antes, seja um arranjo que me lembre Beach Boys, vozes que me lembrem Crosby, Stills, Nash and Young ou simplesmente um arranjo bastante peculiar.

Às vezes fico em luto por uma infância que, sinto, não foi vivida em todo seu potencial, mas, pelo menos, consigo resgatar, transformar alguns momentos fugazes em boas memórias, fantasiosas ou não. Em meio às minhas lembranças, só espero que, em algum canto, numa dessas noites, tenha uma criança num quarto escuro esperando o sono chegar ouvindo Infinite Arms no radinho do pai, mesmo que, agora, ele não faça idéia do que isso seja.


Band of Horses - Factory



Band of Horses - Compliments



Band of Horses - Laredo

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

muzak para o Apocalipse

Em tardes quentes, secas e ociosas, não raro, me entrego à prazeres adolescentes. Quinze anos atrás eu sonhava com o que viveria agora. Agora, sonho com o que vivia quinze anos atrás. Dificilmente minha vida é como eu imaginava então, tampouco foi minha adolescência como fantasio agora.

Muitas coisas mudam em 15 anos, outras simplesmente adormecem, cobertas por uma camada fina de culpa e vergonha. Porém, abrir mão de tolices me permite, hoje, voltar a desfrutar alguns prazeres pré-púberes, como andar por aí usando camisetas de bandas de metal ouvindo o que de mais pesado existe, e com orgulho.

Hoje, quando meus phones ou as exageradamente grandes caixas de som da minha casa bradam as distorções absurdas do NEUROSIS, volto no tempo. Volto pra época do prédio em que morava em Minas Gerais. Me pego insuflado, vibrando a cada palhetada como quando ouvia, na tripudiada década de 80, meus vinis surrados na companhia de amigos igualmente empolgados.

Pra esse cara de fios brancos na cabeça que insiste em ainda ouvir metal, Neurosis é o som de tormentas, trilha sonora de tempestades, companheiro de revoltas silenciosas. É uma representante perfeita do que costumo chamar, sem medo de soar preconceituoso, de metal de gente grande.

Definitivamente, não é um som fácil de se ouvir, o que, afinal, é um predicado apreciado pelas bandas que caminho (trocadilho não intencional). Me apraz perceber que não envelheci/amadureci sozinho. Enquanto, é certo, ainda existem bandas de metal que galgam orgulhosamente o pangaré chamado Ridículo, existem outras que ousam e pensam e fazem um tipo de música pra quem de fato AMADURECEU, não apenas envelheceu, e continuou gostando de música pesada. É acalentador pro moleque agora envelhecido perceber que existe cérebro onde antes só havia ímpeto.


Neurosis - Given to the Rising


Neurosis - The Doorway


Neurosis - Burn


Discografia:

Pain of Mind (1988) * *

The World as Law (1990) * *

Souls at Zero (1992) * * *

Enemy of the Sun (1994) * * * *

Through Silver in Blood (1996) * * * * * √

Times of Grace (1999) * * * * *

A Sun that Never Sets (2001) * * * *

Neurosis and Jarboe (2003) * * * *

The Eye of Every Storm (2004) * * * * * √

Given to the Rising (2007) * * * * * √

Live at Roadburn 2007 (2010) * * * * *