terça-feira, 18 de janeiro de 2011

JESU e a minha Suécia

Eu estava me despedindo de tudo que acabara de conhecer. Solene, olhava pegadas no chão. Tentava registrar na memória cada lufada de vento gelado. Era meu último dia no paraíso e eu achava que sabia o que me esperava do outro lado do Oceano.

Estranho em uma terra estranha, andava sem entender as palavras  que as pessoas falavam, sem decifrar o que o metrô informava ou os olhares que recebia. Isso trazia uma forma complexa, estranha, de satisfação. Não tinha obrigações, ali, tudo que fizesse, onde quer que fosse, era por vontade, por prazer. Como disse um poeta, todas as coisas agradam a alma, mas essas são as coisas que agradam a alma bem.

Vagueando pelo branco que cobria o país me perguntava por que havia demorado tanto, porém as coisas acontecem da forma que devem acontecer, não há nada a fazer para que não seja assim. De certa maneira, o fato de ter demorado tanto transformou cada simples refeição, cada despertar, numa liturgia pessoal. Não transcorreu minuto sem que eu o aproveitasse exatamente como acreditava que deveria.



Em minha última caminhada à sós, andei pelo meio da neve e não pela calçada, tomei o metrô, passei por onde fizeram um filme que gosto, escapei de um shopping em  chamas, comi em uma barraquinha na rua, admirei pessoas, me perdi para sempre. Imprimi na neve cada pegada da minha insignificante aventura pessoal ouvindo JESU em meus ouvidos. O clima glacial, as dimensões continentais, a grandiosidade, tudo ilustrava perfeitamente como me sentia enquanto ia construindo minhas memórias, que seriam deturpadas já no dia seguinte, de como tudo era incrível e espetacular e inesquecível ao meu redor.

Com Why Are We Not Perfect?, Opiate Sun, Conqueror e Heart Ache, me deixava perder o caminho sem a necessidade de preocupar com nada. Escondido sob camadas e mais camadas de agasalhos, com meus fones um pouco grandes demais nos ouvidos, observava enquanto os transeuntes encenavam para mim, alheios ao fato, um ballet soturno de despedida. Crianças corriam como em câmera lenta, garotas arrumavam seus cabelos muito loiros, homens fumavam seus cigarros, mulheres carregavam suas sacolas de compra. A vulgaridade daquele quotidiano extremamente simples estava travestida de beleza e onde eu estava em pé, onde quer que fosse, parecia o ponto de convergência de tudo que era importante no mundo.

Dias antes eu esperava horas em um aeroporto imaginando como seriam momentos como esse. Me conhecendo, já tinha perfeita noção que me seriam inestimáveis, cada um deles. E foram. Ao som dos acordes que vêm como ondas de um oceano que só não congela por estar em constante movimento, eu caminhava cortando o vento glacial. Com JESU, desbravava a minha própria Suécia, e conheci também, assim, um pouco da Suécia de verdade. A Estocolmo que eu trouxe comigo de volta para casa é certamente mais incrível do que a que deixei pra trás. A palavra mais inútil de todas se chama Saudade.


JESU - Fools


JESU - Conqueror


JESU - Farewell


JESU - Silver


JESU - Opiate Sun

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

it's a dream world... a dark dream world... dark night of the soul...




Eu tinha acabado meu petit dejeuner continental, era 1° de Janeiro no Charles de Gaulle e eu me despedia da minha pequena que embarcava para a Turquia. Enquanto eu andava em direção ao meu portão de embarque, já pensando no frio escandinavo, coloquei meus fones de ouvido. Passava pelas pessoas, carregando suas próprias bagagens, pensando seus próprios destinos... concretos ou metafóricos.

Enquanto escrevo isso à mão no meu caderno, são 11:32 em Paris e eu espero meu vôo que sai em 5 horas para a Suécia. Foram dias conhecendo a cidade, tardiamente, e entendendo perfeitamente porque dizem que Paris é a cidade mais incrível de todas, dias conhecendo à mim e à outras pessoas... mais do que o agradável.

Algumas horas atrás, sob A Torre, turistas registravam em conjunto suas memórias individuais, enquanto eu, outro turista entre eles, sempre com estes fones, tinha minha trilha sonora particular pra quando me sentia tocado andando à margem do Sena ou admirando a grandiosidade da torre, enquanto tentava em vão me aproximar de um corvo assustado.

À todo momento, caso me sentisse abençoado ou insignificante, sozinho ou incluído, me acalentava, me empolgava com o que saia deles, meus fones. Mark, eu sinto saudades. Não há mais Sparklehorse para me levar ao redor do mundo, me inspirar, deixar que eu encoste a cabeça cansada de viajante em seu ombro e me oferecer o afago de amigo. Foi passando pelos barcos velhos, sob o céu que escurecia as 3 da tarde ouvindo sua voz quebrada com a torre Eiffel pela primeira vez contra o cinza escuro do céu parisiense que Dark Night of the Soul me pareceu perfeito.

A hora da partida se aproxima, com uma mala pesada, cheia de presentes, e um espírito leve, cheio de sonhos, me preparo para ir rumo mais uma aventura incerta e desconhecida, como aventuras devem ser. Tenho certeza que, sem essa companhia, com quem partilhei meus dias franceses, nada disso teria sido tão inesquecível. Aqui um brinde à todos os sonhos que ainda virão.


Sparklehorse - Revenge (ft Wayne Coyne)


Sparklehorse - Grain Agury (ft Vic Chesnutt)


Sparklehorse - Dark Night of the Soul (ft Vic Chesnutt)