quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Rugir do Oceano


Essa é a vida que eu vivo e poucas coisas me fazem feliz.
"Vento que sopra pela janela na noite quente de verão iluminada pela Lua. Rua deserta, às vezes molhada pela chuva, às vezes não. O som do mar. O cheiro da árvore de quando eu era criança. A certeza do amor (apesar da incerteza do resto). Alguns amigos. Música. Silêncio. Solidão. Companhia."
Desde minha ilha observo outras ilhas e seus habitantes. Suas luzes que brilham, suas vidas vividas lentamente, perturbadas pela insignificância que, secretamente, abraçam e tratam docemente, perto do coração, como animal de estimação. Que dorme em suas camas, sob suas cobertas, dentro de seus peitos, aquecida por seus pijamas e ambições nascidas mortas.

Ilhas separadas por profundidades, aproximando-se com lentidão continental, cercadas por águas de  mistérios. Erguem-se e ruem pontes em cerimônias ruidosas e, ao fim, recolhem-se na escuridão, acendendo luzes artificiais para sinalizarem que estão lá. Existem.

Que tarefa: existir.
"Dirigir até o fim da cidade, além da linha de trem. Na estrada, à noite, apagar os faróis. Lembrar de ver, nos campos que zuniam na escuridão, vaga-lumes. Numa reta, fechar os olhos por alguns segundos, deslocando-se muito, muito rápido. Ver as luzes alaranjadas dos postes no outro extremo da cidade refletidos no asfalto chovido. Muitas vezes com amigos. Muitas vezes sozinho. Rituais de despedida. O abrir de mãos. Amigos vivos. Amigos mortos. Amigos que nunca viveram."
Ilha, existo em minhas lembranças, onde sinto-me livre para fantasiar e atuar a peça elaborada de uma vida toda para a platéia de um homem só. "Quanto talento. Quanto desperdício." - Se você apenas soubesse.

Olho furos na parede, penteando com os dedos os pêlos que crescem de meu rosto. Trago estampado no peito a marca do fracasso mais espetacular de todos e nada da cintura pra baixo.

Li "viver é desenhar sem borracha". Minha vida, desenho com a ponta dos dedos das mãos e dos pés numa margem qualquer que será inundada ao subir da maré. Li "fôrma sem forma, sombra sem cor, força paralisada, gesto sem vigor". Uma música ecoa em meu crânio vazio, crânio empalhado. Guitarra que ruge subsônica, tambor que rufa o fim do Tempo e mais uma vez me lembro do poeta dizer "assim expira o mundo, não com uma explosão, mas com um suspiro".

Manco, apoiado em ombros fortes.
"Adeus. Até jamais. Solo maldito. Sol escaldante. Ar sufocante. Gente gente. Um quarto azul e amplo repleto de mentiras e desequilibrio. "Meu trigésimo ano rumo ao céu". "[…] a verdadeira alegria da criança há tanto tempo morta cantava […]". Realizações nas madrugadas. Aventuras à margem do rio. Ao pé da montanha. Uma foto. Uma música. "Esses eram os bosques e o rio e o mar ali onde um menino à escuta do verão dos mortos sussurrava a verdade de seu êxtase". Verdade só há enquanto criança."
O Pássaro canta. Equivocado, anuncia um amanhecer que não virá. O disco gira no fim. Silêncio e dois cliques. Os furos continuam na parede, simétricos. Os pêlos imperceptivelmente maiores em meu rosto. O resto, igual.

Ilhas, escuridão, calor, cimento e luzes e almas artificiais.





-recomenda-se ler e ouvir-
Mount Eerie - I Walked Home Beholding
do disco: Ocean Roar (2012)