sábado, 24 de novembro de 2012

Sábado branco


Sugere-se ler ouvindo: Mount Eerie - Through the Trees

Num sábado branco o céu desenha linhas nos olhos enquanto deito de roupa em minha cama e pondero sobre a possibilidade de vidas em outros lugares. Duas notas ecoam repetidas vezes em meu quarto e preenchem o ambiente, cada canto, escorraçando o silêncio feito câncer.

Tudo permanece imóvel. Os móveis acumulam poeira aos poucos, o cimento cinza dos prédios contra o céu monocromático erode imperceptivelmente e a natureza briga e perde para o calçamento na rua. Roupa dobrada no armário, martelo deixado no chão, a luz de uma lâmpada acesa durante o dia. Vestígios de uma cidade fantasma, habitada. O gato branco se apoia contra a tela na janela ouvindo o canto do pássaro justamente fora de seu alcance.

"Tempo, passado, e mais tempo, e depois um momento..."

Páginas de um livro amarelam, a pele de um rosto que enruga. Segundos valiosos e insignificantes escoam pela fenda no céu. A agulha do toca discos esquecido repete ao infinito a estática da reprodução do silêncio enquanto olhos encaram o papel branco.

Um telefone toca sem resposta até que em algum lugar um movimento involuntário devolve vida ao mundo, que chora como bebê nascido. No decurso do piscar de dois olhos, no correr de sangue numa veia, no brotar da primeira gota vermelha no buraco na carne.

O constante simultâneo infindável inevitável fim e recomeço do que vive e morre feito marcas de dedos em paredes trincadas.