sexta-feira, 28 de junho de 2013

"do you really think there's anybody out there?"



(escute: Lower Dens - Rosie)

Sendo assim, voltou à cidade onde viveu tanto tempo e dirigiu pelas mesmas ruas vendo os mesmos rostos mais velhos ou rostos diferentes. Passou pela frente da casa onde alguém algum dia morou e lembrou da vez que dormiram e acordaram no quarto dos pais e, lado a lado, provavelmente, tiveram o mesmo sonho, já que todo mundo ali sempre sonha o mesmo sonho, dormindo ou acordado.

E lá, olhando a casa, sentiu-se sozinho.

Na cidade pequena onde cresceu subiu a pedra e, junto a árvores e antenas, esperou pela noite de inverno. Sentado no chão agarrando folhas segurava a mão do planeta e de mais ninguém. Quando finalmente a noite caiu sobre a montanha, era o sol distante, rebatido numa bola de rocha brilhante flutuando no espaço, que iluminava o relevo com luz azul e silêncio. E na solidão da altitude olhava as luzes da cidade distante abaixo hesitantes. Apesar de só, sentiu-se acompanhado e quis, com alguém, dormir sob a luz da lua, sob os galhos das árvores, sobre a montanha azul.

E no carro, voltando para casa, sentiu-se sozinho.

Como a Lua, seu peito estava cheio e na escuridão do vale repousava suas costas em camas macias demais e ouvia morcegos que voavam muito próximos. Entre paredes e corpos nus a única certeza era da morte algum dia e do retorno inevitável ao mundo real, ao trabalho, às garotas, diferentes, às frivolidades, idênticas. Sendo assim, mais um mês rumo ao infinito se arrastava no exercício fútil de existir e respirar. Um mês atrás havia saído de casa procurando esquecer, voltava agora com novas lembranças.

E vendo a paisagem que corria pela janela, como de costume, sentiu-se sozinho, porém feliz.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Também cresce?



(leia ouvindo)
Little  Wings - I Grow Too

Memória muscular guia pelas ruas da cidade. Mesmo que não saiba mais os nomes, ainda conhece os caminhos. Mesmo que não reconheça os rostos, lembra das vidas. Passam casas, praças, bares. O fantasma da juventude não tão distante paira sobre a água do rio, o pico da montanha, espreita em esquinas escuras, flutua acima da copa das árvores, uma mão aberta, outra cerrada, um sorriso indeciso sussurando no rosto, no peito, a vergonha de todos os erros em exibição constante para quem quiser ver. 
"pneus cantam, metal retorce, pessoas desaparecem. vivas ou mortas, enterradas. o sol se levanta pela janela no quarto dos fundos. roupas dispostas em cima de uma cama. malas vazias, corações pesados. um copo com água esquecido ao lado de um cigarro ainda aceso queimando sozinho na cozinha na madrugada. abraços vazios, mãos que apertam a si mesmas. o gosto amargo da boca dos outros."
A cidade é outra, a bebida a mesma, e nos bares as conversas não mudam, as mesmas histórias reverberam pelas paredes até morrerem sob as rodas de um carro qualquer guiado rápido demais por alguém nem diferente nem igual a ninguém. O brindar de copos, os olhares furtivos para as coxas das mulheres, às vezes novas demais, às vezes não. Nenhum traço de novidade que faça o coração bater. O fantasma da juventude agora pouco mais distante paira nos balcões, mesas, flutua, murmura palavras ininteligíveis de salvação, mãos abertas, no peito sangrando a marca ainda recente de unhas e dentes.
"notícias chegam por telefone, cada toque, falha no coração uma batida de coração. a emboscada da vida. a armadilha da velhice aguarda de molas armadas. dedos ansiosos reviram cinzas. faróis acendem, trazem a realidade, espantam sonho e noite. em toda calçada, esquina qualquer, lixo cresce e vento sopra o que resta. ratos disputam migalhas. sangue nos olhos."
Um mar de bocas, pés, mãos, braços, cabeças. A música alta demais, a luz que oscila devolve o benefício ignorado do silêncio e inexatidão a todos, que, aos berros, se exibem no mesmo esconderijo embaraçosamente super exposto de sempre. Na graça inexistente, na classe ausente está a impossibilidade dos corpos, e os copos circulam, as vozes aumentam. Olhos e mãos se confundem em suas funções e a vergonha é tomada por garrafa vazia, lançada ao chão, despedaçada. O fantasma da juventude para sempre esquecida vaga por entre corpos, copos, paredes e portas, de mãos para trás, olha por olhos cansados, pensa pensamentos pesados, não oferece, não exige coisa alguma. No peito, o lobo negro chamado Nada.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

It's not meant to be a strife...



(para acompanhar a leitura)
Harvey Milk - One of Us Cannot Be Wrong

A noite corre em enganos e embaraços, frases pela metade, covardia e falta de coragem acelerando respirações e induzindo ao erro vexatório. Na escuridão ao redor, insinuações jocosas, elogios funcionais e, mais uma vez, a hipócrita procura pelo que se teme, se evita. A bebida que anula o julgamento é a mesma à qual se recorre (posteriormente) para aguçá-lo, em vão. Olhares e toques casuais tomados por desejo e pensamento, pedaços de carne sem vontade se roçam no espaço por falta de sorte ou por atração doentia e reprimida. Há quem clama amor, há quem dê amor, mas não há quem saiba recebê-lo, a breve história do zeitgeist. Carícias em costas indiferentes.

Num canto qualquer, amores alcalinos nascem e morrem. Roupas transparentes revelam tudo o que se tem para mostrar, e nada além disso, enquanto braços cruzados desenham no ar, na luz que cerca, a clara falta de entrega e amor que pixações demagogas reproduzidas pelas paredes da cidade exigem. No barulho de copos que brindam, de pessoas que riem e da música que toca, oculta-se o pudor desmedido e o medo de corações abertos, corações entregues, corações famintos feito lobos negros. Amenidades insípidas tomadas por vislumbres de vida, tudo tão vazio, tão cheio de nada, o grande trompe l'âme humano em exibição nos olhares impostores dos falsos amantes. Cantos de bocas que se roçam em despedidas permanentes.

O sol do inverno refletindo na piscina e a ilusão de liberdade queimando no peito. Entre garrafas verdes e mergulhos corajosos dilui-se a impressão de que tudo é sem sentido. A sensação de eternidade descansa à sombra das palmeiras plantadas em concreto e a música abraça tudo em seu caminho. Risadas e apertos de mãos e planos pro futuro é tudo que se precisa e tudo que se tem. A frieza de contas pagas e aventuras sexuais tomadas pela experiência real do amor. Garrafas que voam e segredos que se contam constroem uma definição contemporânea de amizade. O rádio toca alheio e a vida continua, simples e caótica na mesma medida. O sol se põe, mas amanhã nascerá novamente.